exposição "Anjos e lobos - Diálogos da Humanidade", galeria São Roque #graçamorais22
Abaixo, Sines 2006
Graça Morais, Sem título, 2022, 80x120 cm, acrílico s. tela
Duas pistas devem ser seguidas para ver a pintura de GM. Uma é a sua relação com o neo-expressionismo que se manifesta nos inícios dos anos 80, e de que se conhecem melhor Clemente ou David Salle ou Lupertz ou Sarmento, este de passagem. Sem seguidismo, mas partilhando um mesmo espírito no campo do chamado "regresso à pintura" e das suas novas figurações (com companhia de Dacosta, Paula Rego, Menez e Pomar, que então recomeça o primeiro e os outros mudam a sua pintura). A que se chamou também transvaguarda e pos-modernismo, sublinhando-se a descoberta e valorização da expressão das culturas locais e identidades nacionais (o genius locci) sobre a universalidade abstracta do "moderno". As suas melhores obras ombreiam com aqueles e ultrapassam JS (mais mediatizado sempre e dispondo do controle dos espaços institucionais, ainda hoje), num "estilo" pessoal afirmado na presença dos corpos e suas metamorfoses, animais e humanos. Com informação e heranças das culturas populares do norte.
Aproximações a Picabia (as sobreposições, o palimpsesto) e Picasso (Guernica).
Outro tópico é a dimensão e intensidade da sua relação com os males do mundo - parece que GM carrega por vezes toda o drama da existência humana, como inquietação, medo e revolta. Alguma retórica menos feliz aflora por vezes mais nos títulos que nas obras, mas estas ficam como questões abertas e feridas expostas na vida das pessoas, em especial nas mulheres. Aqui os 4 Migrantes desenhados, notáveis, e em "A Caminhada do Medo" e "As Sombras do Medo". É uma pintura de explícita intenção e de grande ambição nos seus assuntos e nas expressões formais, de grande persistência de carreira, alheada dos processos de marketing das imagens e de facilidade decorativas.
2011 e 12 13 O medo, a morte, desastres da guerra - a s´ria
Migrantes e Refugiados 2018 e 19
a Ucrânia Misha 2022
A fortuna crítica (ou infortúnio crítico) e as condições da carreira
Longe dos pólos do novo poder nos anos 70, que se organiza a partir da SEC com escala na Alternativa Zero 1977 (+ LIS 79 e 81) e passagem ao Depois do Modernismo (83) que se estrutura no eixo Cómicos SEC/IAC Frágil.
Figura maior dos anos 80 é excluída das "selecções" da década, com exemplo maior nos 10 Contemporâneos de Alexandre Melo em Serralves 90.
ausente na exp. sobre o Retrato no MNAA em 2018 depois da exp de Cascais em 2005
Sem Serralves, CCB, CAM FG sem prémio Aica
A política "geracional" dos anos 90 (Isabel Carlos, João Fernandes, Pedro Lapa)
Porto 67-71 (Puzzle 76-77) // PARIS 76-79 // Vieiro 81-83
Gal. 111 de 1983 a 2006-8
Paris FG: 77 - 88 - 2001 - 2017
97 Soares dos Reis - Culturgest (Pernes)
19 Soares dos Reis - MNAC
Champalimaud 2017: 20 de Jan e 27 jan 2017
Considerar que a crítica que defendeu GM vem da lógica formalista dos anos 50/60, e é depois substituída por um outro contexto geracional.
uma obra de maturidade, num tempo em que os (novos) artistas são aparições de desgaste rápido, para usar e deitar fora; em que se coleccionam miudezas, coisas baratas; em que as aquisições do estado são programadas como bolsas assistenciais e realizadas como jogos de cumplicidade.
A pintura não tem de ser fácil, nem deve ser design. GM pinta os males do mundo.
A estranheza de um mundo real (rural, local), retratos e alucinações, uma pintura rude, crua, difícil certamente, sem concessões ou amabilidades. Aquela gente existe como um desafio, impõe-se na sua distância vivida longe da nossa cidade cega. Olha-nos de frente, interpela-nos, também como pintura, intensamente imagem e pintura. Sobreviventes e radicais, ferozes por vezes, fantasmas vivos. Máscaras, memórias, raízes, assombrações. Graça Morais ocupa agora um lugar único, sem parcerias na sua geração de 70.
Por vezes há problemas de escolha nas exposições da Graça, e há estudos que deviam ficar pelas gavetas, mas aqui há um vasto conjunto de obras de 1ª escolha, excelentes, marcantes, vindas de anteriores mostras (tb a da Fund. Champalimaud em 2017) ou inéditas. Uma excelente montagem
(As batatas. À direita, pequenas pinturas de 2022.)
Migrantes I a IV, 2018, carvão.
Um exposição de excepção na São Roque. Depois da magnífica mostra na Fund Champalimaud em 2017. Quem faz melhor nos dias de hoje? 1
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O espírito do lugar
07-01-2006
O mar de Sines na pintura de Graça Morais
O que parece ser, em fotografias e nas peças da exposição do Atelier Aires Mateus patente no CCB, um excelente exercício de abstracção arquitectónica revela-se um obstáculo à visão das obras de Graça Morais que inauguram as galerias do Centro de Artes de Sines. As calhas dos néons reflectem-se nas primeiras obras, o percurso avança por uma rampa ascendente onde se mostram, sem o recuo necessário, os trabalhos de maior formato e volta depois atrás, perdendo-se o visitante num espaço modular labiríntico e mal sinalizado. Pode ser que o edifício resolva com sucesso outras valências, mas a galeria subterrânea que atravessa o pequeno «CCB» de Sines, de tecto baixo e volumes muito recortados, não se utilizará com facilidade - a exposição da arquitectura impõe-se ao que nela se mostra. Ao dizer o presidente da Câmara que «este novo centro foi também pensado como uma obra de arte contemporânea», levanta-se uma pista para discutir a dimensão mais formal da arquitectura, as vias especializadas da sua mediatização e a respectiva habitabilidade.
Graça Morais enfrentou uma segunda dificuldade ao localizar os temas da exposição na cidade que a convidou, sem recorrer à facilidade do «site-specific». Instalou o ateliê no castelo e procurou «inspiração» nos motivos da pesca, ignorando o complexo industrial que rodeia a baía (há vestígios de guindastes numa das obras e noutra um cargueiro atravessa o mar). Representar um lugar e a sua gente, interpretar uma realidade específica e transcrevê-la em pintura como visão de um olhar pessoal tornou-se um desafio pouco frequente, que alguma doutrina considera inútil ou impossível - a fotografia cumpriria a tarefa, e a arte actual ter-se-ia afastado do regime da representação para se pretender «reflexão sobre» e experiência dos seus limites. Esse é o academismo contemporâneo, que raros artistas desmentem, à margem dos trilhos oficializados.
Não se trata, na obra de Graça Morais, de propor uma descrição realista de lugares, e a paisagem está ausente como género, surgindo apenas, e só às vezes, como espaço habitado pelas figuras. Estas, entretanto, têm assumido numa parte crescente do seu trabalho a ambição e responsabilidade do retrato (como também acontece em obras de Sines), mesmo quando à regra do reconhecimento dos retratados se sobrepõe a procura de identidades colectivas, eventualmente matriciais ou míticas, como sucede no já longo projecto de identificação da artista com a sua região transmontana de origem. De facto, Graça Morais transforma a disciplina do retrato num campo aberto ao imaginário e à memória, num processo de derivas e mutações (às vezes pela sobreposição de imagens, como palimpsesto) onde podem surgir a máscara, a metamorfose em formas animais ou o próprio rosto da artista.
Toda essa dinâmica se pode observar ainda na mostra «Retratos e Auto-retratos», que constitui uma importante antologia temática, com obras recentes e algumas outras que vêm já dos anos 80. As três telas da série «Deusas da Montanha», de 2001, e o grande tríptico Auto-retrato?, de 2002, na direcção da alegoria, ou as sequências de desenhos e pinturas concentrados na dureza de rostos camponeses são argumentos de grande força. A recente mostra «Visitação», na 111 do Porto, e o álbum Uma Geografia da Alma (edição Bial) são outros passos dum momento de grande visibilidade do seu trabalho.
Nas obras de Sines, reunidas em Os Olhos Azuis do Mar, com texto de António Mega Ferreira, que há 20 anos já tinha escrito uma primeira monografia editada pela Imprensa Nacional, as gaivotas são as primeiras intérpretes de uma alegórica referência à pesca. Pássaros humanos (anjos profanos?) acorrem ao Festim, à Festa da Abundância, que se repete à chegada dos barcos, e ingurgitam ou vomitam peixes em cenas desenhadas com crueza.
Depois, os retratos de pescadores prolongam-se na estranheza mutante dos «Homens-peixes», e uma raia torna-se Menina do Mar, sempre pela via da metamorfose das figuras. Referências históricas (Vasco da Gama) e míticas (a lenda da cabeça de São Torpes) vêm cruzar-se com os dados do visível, ou o que dele impressionou a artista, e talvez não chegue a resolver-se, nas obras de maior formato, a integração dessa soma de informações em composições unificadas. O grande projecto de uma nova História Trágico-marítima, com mais de cinco metros, aparece como uma espécie de sumário dos motivos individualmente trabalhados, onde as figuras vogam à deriva sobre o azul do mar. No entanto, mais do que saber se essas obras sustentam a sua ambição talvez desmesurada, importa reconhecer a coragem do desafio.
«Os Olhos Azuis do Mar»
Centro de Artes de Sines, até 3 de Abril
«Retratros e Auto-retratos»
Centro Cultural de Cascais, até domingo
https://centroartegracamorais.cm-braganca.pt/pages/158?event_id=201
2014 Julho 28 DN - Graça Morais expõe na SNBA obras que vão para S. Paulo, DN
nota GRAÇA MORAIS, 111 - 9 Fev. 91
https://expresso.pt/cultura/2017-02-26-Uma-luta-continua-chamada-arte
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discordância:
"A liberdade da pintura é total, convida a contemplar a obra numa perspectiva puramente pictórica, como se a pintura se tivesse libertado da sua função de representar e fosse só pintura em toda a sua força expressiva." Sílvia Chicó, catálogo.
JLP não se interessa pelos temas (migrantes, desalojados...) e faz uma abordagem só formal à volta da transformação e mertamorfose.
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