A arte é profissão para alguns, dedicação-paixão para parte desses e outros, e ocupação de tempos livres para mais outros, e toda ela se joga nos seus respectivos mercados, oficiais e marginais, autónomos ou alternativos enquanto as instituições os não absorverem e domesticarem, mercados sempre, com e sem especulação ou financiarização.
Para os que a praticam e os que trabalham em actividades associadas ou parasitas, as artes visuais (belas-artes, depois artes plásticas, arte em geral) são vocações e talentos (e resistências à adversidade) ou são empregos que vieram oferecer substituição para as actividades produtivas deslocalizadas e robotizadas. São uma necessidade para alguns, sao um privilégio, são a possibilidade de escapar ou tentar escapar ao trabalho assalariado, são um lugar de especialização, num “mundo da arte” tendencialmente fechado sobre si mesmo e burocratizado.
Para os espectadores amadores especializados, quando existem (são poucos), a arte é um interesse entre outros, por vezes uma compulsão e uma adição, um hobby, uma aplicação financeira, uma distinção social. Se vão a galerias dirigem~se directamente ao escritório do/da galerista e reservam fotos que lhes mostram. Coleccionam.
Para o público indiferenciado, de fim de semana de lazer em família, a arte e a cultura tradicionais ou alternativas não são indispensáveis, e têm razão: vão ao museu com jardim e bar, e poucos entram nas galerias:
a atenção estética partilha os objectos de arte intencionais (obras de arte) com outras atenções despertadas por lugares, factos, práticas ou artefactos que não são obras com ambição e condição de arte, face a objectos atencionais também com efeito ou eficácia estéticos: a paisagem, a praia, os corpos próximos ou entrevistos, a dança, os desportos (como o ministro referiu bem a propósito do futebol, na Visão), os comeres, outros coleccionismos (soldados de chumbo, selos, discos, postais), etc.
As artes musealizadas, coleccionadas, eruditas, institucionalizadas não se substituem à possível arte de viver. E podem impedi-la. A arte não tem de ser uma chatice, um sacrifício. Não tem de ser difícil. As artes modestas podem ser mais felizes que as artes pretenciosas.
Elas transportam a memória da arte como veículo de dominação / instrução religiosa e polítíca, deuses e senhores, retratos de heróis e do poder. Transportam a memória ± recente do combate das chamadas vanguardas pelo novo contra a tradição da arte, a anti-arte, que foi recuperada e instrumentalizada (a tradição do novo, Rosenberg) na segunda metade do século XX, na mesma lógica das vanguardas políticas, leninistas ou não, por entre reclamações de autonomia dos artistas e recusa austera da encomenda e do divertimento (Adorno), ambições de pureza das disciplinas ( Greenberg) e proclamações do fim da arte (Danto).
Desaguaram na cumplicidade entre museus públicos e privados, fundações e galerias e colecções pessoais, que sustentam os valores de venda sucessivamente anunciados como recordes (100 milhões um último retrato de Klint), que nenhum "leigo" pode entender e aceitar. Entre ignorâncias, desinteresses e rejeições, o "mundo da arte" segue o seu curso, mas há mais mundos, que vivem com e sem arte.