É um filme notável sobre um livro notável, As Mulheres do meu País, de Maria Lamas. Um documentário que é um road movie seguindo a inspiração de Maria Lamas, às vezes seguindo a sua viagem pelo país, seguindo o livro, a jornalista e fotógrafa, procurando lugares fotografados, possíveis sobreviventes ou idênticas vidas femininas, leituras/leitoras actuais, sem descansar nas normas habituais do documentário, nos depoimentos de possíveis especialistas (se existem), na cronologia, na fácil síntese informativa. É uma aventura de cinema em que as autoras interrogam o que foi a aventura editorial ainda surpreendente de Maria Lamas e questionam a sua própria admiração pelo livro, lendo-o e interpelando outras mulheres. Fica (quase) de fora o itinerário pessoal, literário e político de Maria Lamas, para além do Livro, e tudo o que seria desfocar a atenção dedicada a essa obra única.
Estreou em 2022 no Festival Indie e não teve então o menor eco crítico, o que comprova a indigência criminosa da crítica de cinema instituída na chamada comunicação social de referência.
Tem andado por aí em sessões periféricas e ontem (14 SET.) foi apresentado num ciclo dedicado a mulheres ilustres pelo cine-clube de Alvalade (Cinema Fernando Lopes, U. Lusófona). Só soube do filme ontem mesmo, graças à Maria d'Aires Caeiro, a neta que tem tratado e ajudado a divulgar o espólio fotográfico - ignorava-o ainda, ainda que desde há muito escreva sobre Maria Lamas fotógrafa e procure tudo sobre o livro em fascículos de 1948-50, sobre a preciosa reedição da Caminho em 2003 num fac-símile trabalhado por José António Flores (pouco divulgada e pouco comprada e depois guilhotinada pela Leya), e sobre a actual distribuição com o Público numa produção também em fascículos e bastante cuidada.
Em 2024 a Gulbenkian apresenta uma exposição sobre Maria Lamas fotógrafa e o seu livro, comissariada por Jorge Calado, que já a mostrou em Paris e no Dubai.
Comprara mas não lera até agora o livro de Susana Moreira Marques "Lenços Pretos, Chapéus de Palha e Brincos de Ouro", que é também uma viagem guiada pelo livro de ML, e não me parece que se sustente enquanto luvro. Mas é brilhante, certíssimo, o seu texto livre e inteligente que acompanha e sustenta o filme, a outra parte das belíssimas filmagens e ideias de cinema de Marta Pessoa.
Onde está o filme en streaming? Quem não o edita em dvd? Quem não o distribui? Quando passa na RTP2 ("tudo menos Hollywood" - incomoda-me ouvir um tal dislate...).
Espera-se que a FG o exiba durante a exposiçlão.
Outras pistas:
"Em Portugal, o equivalente fotográfico da FSA (Farm Security Administration) é obra de uma única mulher: Maria Lamas.” - Jorge Calado, catálogo “Au Féminin: Women Photographing Women 1849 – 2009”, ed. Fundação Gulbenkian 2009 (exposição apresentada em Paris e não trazida a Portugal - era então Jorge Molder o director do CAM, et pour cause).
"Em 1947, quando Maria Lamas dá início às suas viagens pelo país para a publicação de 'As Mulheres do Meu País', tem 53 anos, e fora até há pouco directora de 'Modas e Bordados' (publicação de O Século), jornalista e romancista. "Resolvi arranjar uma máquina e ser eu, também, fotógrafa", lê-se numa notícia publicada no boletim 'Ler - informação bibliográfica', Publicações Europa-América (Maio-Junho 1948, pág. 1).
"A obtenção de fotografias, confessa, foi uma das maiores dificuldades que encontrou, pois queria-as ‘verdadeiras, expressivas, com valor documental e inéditas’. Acabará por assumir-se como repórter fotográfica, num trabalho pioneiro" – in 'O Primeiro de Janeiro', Porto, 28 de Abril de 1948 (entrevista na pág. "Das artes e das letras"). https://alexandrepomar.typepad.com/alexandre.../maria-lamas/
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