“Episódicos são todos os movimentos modernos, transformando e transformando-se — foi isso mesmo que aconteceu com o neorrealismo quando olhamos para os artistas que o praticaram, bem como para companheiros próximos e afins como Augusto Gomes ou Resende.
Além destes artistas sempre lembrados, outros há que me surgem imediatamente na memória, com obras que podem entender-se como um prolongamento das exigências estéticas e éticas do neorrealismo:
Paula Rego é uma evidência nas suas indignações, tal como Graça Morais nos retratos de mulheres, bem como na recente evocação das misérias deste mundo. Especial é o caso de Manuel Botelho com a sua figuração preocupada em resposta à figuração despreocupada dos anos 1980; Clara Menéres expondo um soldado morto em tempos de guerra colonial; Artur Varela afundando no Tejo a Torre de Belém; Henrique Manuel blasfemando contra tudo e todos; Virgílio Domingues com os seus monumentos anticapitalistas; José Miguel Gervásio na alegoria de uma “aurora da liberdade” sem fronteiras e... e basta!
Seria possível juntar mais nomes a estes, mas estes bastam para afirmar, mais do que uma posteridade, uma continuidade em expansão de intencionalidades que o neorrealismo afirmou, ele também na continuidade dos realismos dos anos de 1920 e 1930."
É uma passagem do artigo de José Luís Porírio na última revista do Expresso (8 set.23), a propósito de uma exp do museu de Vila Franca de Xira: "O poder do neo-realismo". E é uma tese, ou proposta de entendimento da história q me parece bem problemática.
É possível identificar como "prolongamentos das exigências estéticas e éticas do neorrealismo" obras de Paula Rego, pela "evidência nas suas indignações"; ou Graça Morais, "na recente evocação das misérias do mundo"; ou Manuel Botelho, "com a sua figuração preocupada", que se identifica a expressões críticas da Escola de Londres? Parece-me que não.
Porfírio vem lembrar artistas que lhe interessam, e a mim também, como Artur Varela e Henrique Manuel, dois irreverente e/ou provocadores, e também José Miguel Gervásio, este vivo mas estranhamente pouco mostrado pelas galerias, depois de passar pela Módulo. E também refere Clara Meneres e Virgílio Domingues, este que se afigura ideologicamente próximo.
A pressão ou transmissão neo-realista, ou o movimento, encerra-se pelo fim das Gerais e pela intervenção da Gulbenkian no mercado expositivo. Artistas como Sá Nogueira e Nikias Skapinakis praticam já uma outra figuração urbana e com nova informação; a nova geração da galeria Pórtico e da revista Ver, depois do exílio e do KWY, a par da renovação da arte religiosa (o MRAR), separa-se radicalmente dos condicionalismos do movimento, que desaparece sem ruído. A oposição ao neo-realismo, o corte com o complexo partidário que de vários modos o prolonga, afigura-se mais determina-te do que qualquer continuidade. Sim, Querubim Lapa, entre as encomendas decorativas, e Rogério Ribeiro por afinidade partidária, podem ser prolongamentos, mas só esses. Ou um posterior Espiga Pinto.
Porfírio, decano da crítica de arte, é nestes dois casos sensível a relacionamentos pessoais, mas os outros nomes que cita pertencem a obras linhagens críticas (como também o Batarda da sua primeira figuração imaginista).
E tb tenho mt dificuldade em considerar Júlio Resende um "companheiro afim" - muitos pintaram o povo, também à direita ou sem definida consciência/propósito... Há fronteiras formais, além das ideológicas.
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