Diálogo
1: “Mas as fotografias como fotografias, são interessantes?”
2, fotógrafo (profissional): "interesse antropológico e sociológico . Foram feitas com esse fim e para acompanhar narrativas literárias e sociais. Não era a fotografia intrinsecamente em si própria que estava em causa.”
3. (eu) resposta a 1: há alguns que dizem q não..., mas muito por lógica corporativa - porque M.L. não era nem foi fotógrafa de carreira (embora se tenha declarado fotógrafa quando realizou as fotografias do Livro), mas os espontâneos (ou os desconhecidos e anónimos, amadores e outsiders, e os praticantes da fotografia funcional, prática, com finalidade...) podem ser mais interessantes que os profissionais e os que - se - expõem como artistas). E também por desconhecimento, por desvalorizaram a longa tradição da fotografia descritiva e documental, e em especial a lição do grande Walker Evans (querem efeitos de luz, manobras pictóricas, artifícios, anedota, habilidades, facilidades...). E, já agora, por ignorância militante: o Jorge Calado ensina há muitos anos, podemos dizer que tem autoridade.
3, resposta a 2: a “fotografia intrinsecamente em si própria “ não existe (isso é um equívoco conceptual: não existe fotografia "intrínseca" nem há essência da fotografia, não há um modelo...). A frase é, digamos, intrinsecamente imprópria, não tem fundamento.
A fotografia de ML tem indubitável interesse, importância e qualidade fotográfica, estética - é uma das grandes aventuras da fotografia portuguesa e não só, embora breve. Lembre-se, no passado, a tradição de Atget, Sander, Evans e outros q praticaram a fotografia descritiva.
A animosidade e desvalorização ou o desentendimento são restos do Salonismo da “Arte Fotográfica” (que hoje persiste de outros modos na fotografia das galerias e museus, no quadro fotográfico, etc) que impedem apreciar a fotografia de ML. Falta-lhe “vontade de arte”? Não é defeito: de ambição de arte está cheio o inferno da fotografia.
Parte decisiva da história da fotografia fez-se e faz-se sem intenção de fazer arte, suspendendo a vontade de arte ou contra ela.
Mais: a fotografia no livro não existe só a "acompanhar narrativas literárias e sociais", não está lá a ilustrar. É peça essencial da reportagem ou inquérito: descreve, documenta, informa, revela, e é acompanhada sempre por longas legendas, como na tradição da fotografia documental e jornalística. O que se pode talvez chamar intensidade da visão pode ser reconhecido e justificado
(adaptado do Facebook)
Na comunicação q fiz na FG ocupei-me, entre outras coisas, da longa invisibilidade que caiu sobre a fotografia de Maria Lamas, que por exemplo a história de António Sena (1998) não refere (!), e da animosidade que foi expressa em diferentes circunstâncias por, por exemplo, Manuel Villaverde Cabral, Margarida Medeiros e já recentemente Marc Lenot no seu blog Lunettes Rouges.
ADENDA sobre arte e não arte: A ambição ou intenção de (fazer) arte é habitual ou "natural" (característica ou intrínseca?) aos artistas, ou a quem como tal quer ser considerado. Também ocorre (sempre...) com os criadores populares, com certos artesãos, com os amadores, artistas de domingo, espontâneos e/ou singulares, outsiders ou doentes que se expressam por meios artísticos. Igualmente acontece que artistas desejem fazer anti-arte, a qual porém continua a ser vista e aceite e vendida como arte.
Pior ou melhor, mal ou bem, com sucesso ou sem ele (crítico ou económico) todos produzem arte, peças de arte - porque reconhecer alguma coisa como arte (JÁ...) não assegura nem garante interesse ou qualidade estética (é uma designação genérica sem garantias de valor...).
O caso da fotografia é diferente porque nem tudo o que os fotógrafos fazem se candidata à condição de arte ou tem essa intenção e destino, ou como tal se considera... Pode haver ou não intenção de arte, e acontece com frequência que o que não tem a ambição de ser arte (como alguma ilustração, algum retrato corrente, algum documento, alguma foto-reportagem, etc) vem a ser reconhecido como arte. Porque se lhe reconhecem e atribuem qualidades estéticas (também se reconhecem qualidades estéticas nos corpos e nas paisagens ou vistas... um belo pôr do sol...). O mesmo acontece com objecto artesanais, funcionais ou rituais que são (eventualmente) escolhidos para passarem a ser peças de colecção e exposição, peças de museu. Despertam a atenção e motivam uma apreciação, um gosto ou desgosto que é válido como tal, mas que convém que se torne informado e que seja argumentado (os gostos discutem-se...). Por outro lado, muito do que é feito com intenção de arte cai no esquecimento, imediato ou ulterior, porque a memória é selectiva e nem tudo passa o crivo da argumentação - mergulham no inferno das (boas) intenções.