Paisagem de Lisboa, 1961, 73x116cm (CR I nº 217) Col. Jorge de Brito
PALAVRAS DITAS
em entrevistas de Maria Lamas, Adriano de Carvalho, Joaquim Furtado, Maria Antónia Palla, Manuel de Lima e um anónimo
Um quadro é menos uma maçã ou um touro, do que tudo que em nós permanentemente vive. Amor, raiva, esperança, desespero. Toda a arte é uma confissão pública e secreta. (Maria Lamas 1964, “Diário de Lisboa” - a seguir D.L.)
O artista que «segue» crê estar de acordo com o seu tempo. Ele não demora a fazer pela sua mão o que se fazia anteontem em Paris, ontem em New York. Ele não percebe porque os conhecedores – os que amam, vivem – se não detêm na sua mercadoria (em saldo!), julga-se vítima, sem sorte. Não querendo (ou não podendo?) correr o risco de uma posição solitária, acaba por definhar sozinho no meio do rebanho a que se esforçou por pertencer. (Idem)
Não me interessam escolas, interessam-me personalidades, as quais, evidentemente, não acontecem em série. (Idem)
Quando é que «verdade» deixará de ter que ver com «parecido»? (Idem)
Se em Goya intervém o humor negro ou solar, para Velazquez a majestade significa o mesmo que uma maçã para Cézanne. A sua indiferença (mais que desrespeito, indiferença) perante os poderes estabelecidos (que ele, como homem da corte, respeita naturalmente) faz dele o primeiro dos modernos. (Este aparecimento aqui da palavra «moderno» - bem gasta, coitadinha! – não é do meu gosto. Passe agora como solução de recurso, se não iríamos dar a outra história - e bem larga!) (Idem)
É preciso ultrapassar a oposição absurda entre passado e presente. Se, ou inconscientemente ou pela força do hábito, nos escudamos nela, pouco vimos a entender do homem; e nada, mas mesmo nada de Arte. (Idem)
O acaso juntou na mesma página do meu caderno de bolso uma frase de Ovídio e outra de Picasso. Ovídio – «é preciso temperar o prazer pelo domínio de si mesmo». Picasso - «a pintura é mais forte do que eu, obriga-me a fazer o que ela quer». Entre uma e outra, de uma parte a outra, vai toda a maravilha (e toda a danação também!) da pintura, da poesia, porque não da vida humana? E sobre o acaso - não será ele o mais exigente dos nossos mestres? (Idem)
«Realista»? É impossível pôr apenas um adjectivo. Além disso, detesto as fórmulas, as tentativas de concisão que, as mais das vezes, são o empobrecimento das próprias coisas (Anónimo 1966, “Flama”)
Ao contrário do que acontece com a poesia (pode ser-se poeta aos 20 anos), a pintura é uma obra de maturidade. (Adriano de Carvalho 1966, “Século Ilustrado”, a seguir S.I.)
O universal objectiva-se através de referências muito particulares, que resultam da experiência do indivíduo. O geral não é senão uma experiência pessoal, exacerbada. Posta a nu. Não há um universal abstracto, aquém. (Joaquim Furtado 1973, D.L.)
O importante não é o quadro representar um cavalo ou uma paisagem, mas o que nele está da luta do indivíduo que o fez para viver ou sobreviver, na medida em que nele estão expressas as suas relações consigo próprio e com os outros. É uma tomada de posição perante o real. (Idem)
Ser livre é uma coisa que custa muito aprender, mas depois não se quer outra coisa. (Maria Antónia Palla, 1973 S.I.)
Ser pintor é a minha situação particular de ser vivo. É a minha maneira de me exprimir como ser. (Idem)
Quando se gosta de uma coisa toma-se todas as liberdades com ela. (Idem)
A liberdade finda quando as relações passam de sujeito-sujeito a sujeito-objecto ou sujeito-sujeitado. (Idem)
Posso ter tomado aparentes liberdades, tão grandes que a figura parece desaparecer. Mas ela está sempre lá. Porquê? Não sei…. É uma maneira de ser. Gosto muito de carne, de coisas bem vivas, palpáveis. É-me totalmente impossível pensar num quadro com uma formulação 100 por cento abstracta (se é que isso tem algum sentido…). Com isto, não nego o mérito ou a influência que a pintura abstracta, como a de Mondrian, possa ter tido sobre mim. (Idem)
A pintura em mim nasce de um corpo-a-corpo diário com o ofício. Não há dissociação entre projecto e a obra: nascem ligados. Preciso de trabalhar todos os dias. [Mas] só posso pintar em estado de disponibilidade total. A pintura não é um refúgio contra, mas uma maneira de estar. (Idem)
Quando pinto, nunca faço em termos de “exposição”, coisa que me acontece muito pouco, também. As coisas, em mim, passavam-se assim: interessava-me pelo que estava a fazer, vivia-o intensamente. Isto, porque as coisas que faço me interessam enquanto estou a fazer, enquanto as posso tocar, transformar. (Idem)
Fazer arte é tão integral, tão visceral como rir ou fazer amor. ... mas aqui não se exclui a ideia de pensar no assunto. (Manuel de Lima 1974, S.I.)
O que Cézanne disse do acto de fazer pintura: uma maneira de pensar. (Idem)
O pintor para mim é um trabalhador. Com a vantagem ou a agravante de que para ele não há diferença entre trabalho, obrigação, lazer, jogo, prazer. (Idem)
O 25 de Abril foi na vida portuguesa um acto criador, insólito na aclimatação quotidiana, como um acto poético. Dizia Lautréamont que a poesia deve ser feita por todos. Ousemos corrigir. A poesia é feita por todos, e na consciência disso é o jogo a jogar e a chamar-se Revolução! (Idem)
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