É um escândalo, ou uma sequência de escândalos que vêm de longe. E não tenho pressa de ir visitar .
A FG já não é melhor que o país:
1. No início Azeredo Perdigão viu-se obrigado a meter na administração várias figuras do regime para que o Salazar aceitasse os estatutos da Fundação, 1956. No pós 25 de Abril com a Fundação cercada evitou a nacionalização e fez-se uma limpeza, entraram novos administradores, como Joel Serrão e Pedro Tamen (1975-2000).
2. O AzP tinha, entre outros defeitos (e muitas qualidades…), o de se comprometer com a importação de exposições medíocres ao sabor das suas viagens diplomáticas. Depois, a sua visionária decisão de construir o CAM foi muita combatida pela sua administração (o que o levou a ausentar-se da F por algum tempo: pregou-lhes um susto), e também por paisagistas, o que forçou a entalar e esconder o edifício (entretanto, a grande nave ficou datada do tempo das acções e propósitos interdisciplinares, o que desde sempre dificultou o seu uso). Mas depois (valendo-se da sua posição num conselho do Banco de Portugal, ao que julgo, e do contencioso que persistia com o ex-banqueiro, um transporte de bens interceptado...) conseguiu obrigar o Jorge de Brito a vender-lhe parte da colecção, pq o CAM estava nu. (O Brito exigiu ser pago em dinheiro vivo e saiu da F com dois sacos de notas). O Az era um autocrata voluntarista, um antigo seareiro em jovem - podia ter sido PR se não se amarrasse à G. A luta para aliciar o velho Calouste e depois para trazer a colecção para Portugal elevam-no a grande altura. O seu fim foi uma cena dramática, e feia, uma das grandes crises da instituição.
3. O José Sommer Ribeiro, muito jovem arquitecto, um operacional em sucessivos serviços da F, edifícios e montagens de exposições, foi crescendo na casa, foi depois fazendo o CAM, em andamento, aprendendo e resistindo às conveniências do lobby França & Azevedo, mas era obrigado a ceder a terríveis limitações na sua responsabilidade de director-fundador do Centro. Fez a (1ª e única) exp Diálogo em 85, que prometia um rumo ( https://gulbenkian.pt/historia-das-exposicoes/exhibitions/70/ : "Referida por Alexandre Pomar, na Revista, suplemento do semanário Expresso, pelo caráter único do «mais vasto conjunto de obras recentes que por cá jamais se pôde ver»); intermediou e garantiu a relação com a Vieira e com a viúva do Amadeo - e as respectivas compras à pintora e à antiga caixeirinha parisiense Lucie Meynardi Pecetto, que Paolo Ferreira recolhera em 1954 na antiga Casa de Portugal em Paris (Office de Tourisme et Propagande du Portugal.) (A Vieira queria um museu em Paris mas depois do Picasso não há mais; manteve sempre uma grande zanga com Lx e entalou o museu que o Sommer construiu sob o controle de um insólito comité Vieira parisiense e galerístico - isso é outra história)(e lamente-se q a F tenha absorvido tantos Amadeos em vez de se venderem para outras colecções - isso é outra mais história). Lembro-me que compras superiores a 50 contos para o CAM estavam sujeitas à aprovação do casal AzP e Madalena, que ao sábado visitavam as galerias para validar as escolhas a seu gosto. Pouco depois de criado o CAM, Madalena Perdigão, q com a "revolução" fora afastada do serviço de música (1960-1974), voltou à F. pela porta Acarte (1984-1989): foi um enclave q depois se revelou de grande importância: foi passando pela FG muito do que melhor se fazia (por algum tempo a par de um Festival de teatro sedeado no D. Maria, ao tempo de Santana Lopes SEC e António Lagarto, criado em 1991 - e já antes, 1984, com Coimbra Martins MC, a Mostra de Teatro Espanhol trouxe Luces de Bohemia, de Valle-Inclán por Lluís Pascual). "Depois disto, o que havemos trazer de mais moderno", ouvi-a dizer ao Az no fim de um espectáculo "avançado" dos Encontros Acarte; o marido assistia a tudo, muitas vezes chegavam atrasados e havia pateada. Eram outros tempos com melhor oferta e muito melhor qualidade de recepção.
4. Com a reforma do Sommer, Jorge Molder, escolhido por aquele (uma história de sedução, depois de ter entrado via Acarte com o P M Frade por via de um programa de "residências" fotográficas, em 1990) dirigiu o CAM ao sabor dos seus interesses de fotógrafo artista-autista, ex-psicólogo prisional ; foi muito difícil à Teresa Gouveia e muito caro à F. fazer com que o eterno Molder (1993-2009) deixasse o lugar (sobrevive uma excelente investigação da Vanessa Rato no Público, à data). Uma das malfeitorias foi cancelar a exp do polaco-brasileiro Frans Krajcberg, 1921-2017, grande escultor e activista envolvido com a floresta brasileira.
5. Depois, a Teresa Gouveia, q manteve uma guerra figadal com a presidente Isabel Mota (duas PPD's inimigas), já não tinha grande discernimento e tentava seguir opiniões de Serralves - a certa altura proíbe o Museu e impõe que a Nave do CAM só apresente instalações: a 1ª foi foi do Cabrita, que bem se divertiu e escanou um Canova (segredo!). [Teresa Gouveia tutelou os pelouros das artes de 2014-2019 (datas incertas no site FG: na administração de 2004 a 2018; vinda de secretária de Estado da Cultura 2002 – 2004); antes Pedro Tamen; depois e até agora Guilherme de Oliveira Martins, 2020 – 2025, administrador executivo desde 2015.]
6. Depois de Fernando de Azevedo, respeitável designer, também crítico de arte, à frente do Serviço de Belas-Artes, Manuel Costa Cabral, vindo do
Ar.Co, foi um fiel servidor do lobby predominante (transitou depois para a Fund. Carmona, com a sua roda de contactos, sempre mais papista que o papa). Tinham fechado a revista Colóquio Artes do França (o França dos bifes, dizia o Az: dê-se-lhe um bife para o calar - deram-lhe tb Paris) e apontaram a uma direcção João Pinharanda, mas a hierarquia antiga pesou mais forte. Acabou a revista (1971-1996, 111 nºs), q tinha orientação franciana e grande distribuição internacional oferecida. Antes houve a Colóquio. Revista de Artes e Letras 1959-1970, 60 nºs.
7. No balanço geral a gestão de Isabel Carlos no CAM foi prudente. Rui Vilar foi cinzento e estável, sempre dúplice, favoreceu opções sem futuro (Molder, A. Pinto Ribeiro, que abriu uma efémera linha lusófona) e lançou programas conviviais de verão e comemorativos do semi-centenário, fez economias de pessoal sem dar um novo fôlego com continuidade à casa, 2002 – 2012 (esquecido Artur Santos Silva, 2012 – 2017; em insólita acumulação com o lugar de Presidente do Conselho de Administração do BPI 2004 – 2017) . Trocou-se o petróleo pela finança, o q não terá sido mal pensado. A F foi depois dando prioridade às acções sociais sobre o espaço artístico, em consonância compreensível com a desqualificação das artes, foi esquecendo as grandes exposições internacionais - depois da Natureza Morta em 2012, iniciativa de João Castel-Branco, respeitado director do Museu, o que aconteceu mais? A FG foi-se tornando um lugar entre outros (CCB, Chiado, Culturgest, depois EDP), só com o melhor jardim. [José de Azeredo Perdigão 1956 – 1993; António Ferrer Correia 1993 – 1998; Victor Sá Machado 1998 – 2002]
8. A certa altura tiveram o propósito de associar o Museu e o CAM, sob uma única direcção e conjugando programações; o processo avançou bem sob a direcção de Penelope Curtis, que só fez um mandato sob a pressão dos velhos lobbys (dizem que tinha mau feitio, mas apreciei a sua gestão e opções expositivas), 2015 – 2020; antes diretora da Tate Britain (2010 – 2015). Deixou dito: “ 'A administração tomava decisões sem consultar o museu' (...) Saiu quando sentiu que tinha desaparecido o desejo de mudança" - Público 25 Setembro 2020). Voltou tudo à estaca zero, com custos largos e uma imagem óbvia de desorientação, que perdura. Depois de Isabel Mota (2017 – 2022), António Feijó veio de fora (da Universidade: Letras) e não se percebe ao que vem (2022... 2027).

9. Foram buscar um arch...-star, japonês, e o actual director, indicado por Julião Sarmento, indicado a este pelo super-patrão (da Ibéria) Todolí, o qual director não tem qualquer interesse pela história da FG e despreza a ideia de Museu. A frase: "Se já passeiam no jardim da Gulbenkian, porque é que não entram dez minutos no museu?". A adjunta Botella tb , é mais parties, eventos, marketing. Já tudo se confirmou na re-inauguração. Passará sem sucesso (e sem sucessão?), mas a casa degrada-se, e com ela a relação da arte com os públicos; aliás a arte está cada vez mais desacreditada e é cada vez mais dispensável. Salva-se o jardim. Foi a Feira Popular de Lisboa e corre o risco de se tornar uma quermesse impopular com muita afluência.
10. A Biblioteca de Artes continua a ser uma das grandes qualidade da FG. O velho museu Gulbenkian sempre novo - magnífica arquitectura séria sem pala pala - está a anunciar uma exposição que promete, embora Veneza pintada no séc. XVIII ("Veneza em Festa. De Canaletto a Guardi, vinda do Thyssen, Madrid) não entusiasme.
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