MÁRIO
O filme está muito para além da abordagem cinéfila e sempre formalista dos críticos, que agora elogiam (por via do nome do realizador Billy Woodberry), e aos quais escapa o alcance político do lugar histórico de Mário Pinto de Andrade.
Fala-se de pós-nacionalismo (o que é muito mais sério que pós-colonialismo e, pior, decolonial), apontam-se as ditaduras que cresceram depois das independências, evocam-se as rupturas, as cisões, as manobras partidárias (em especial a Revolta Activa, em que participou, e o golpe de Nito Alves; também a Tricontinental, os "desalinhados" e a fractura sino-soviética), mas sempre sem uma visão catastrofista da história africana que se substitua tardiamente aos idealismos revolucionários. Passam no ecrã Fanon e Guevara, vê-se Sarah Maldoror (o seu cinema e e as duas filhas de ambos), é entrevistado Adolfo Maria, o homem da referida Revolta Activa e autoir de alguns livros importantes. E sobre a história de Angola, da Guiné-Bissau e Moçambique impõe-se o retrato de um grande personagem, intelectual e político.
Apoiado pelas fundações Ford e Guggenheim, e pela Fundação Mário Soares, onde se conserva o arquivo de Mário P de Andrade, é uma estreia que surpreende numa actual vaga de filmes africanos.
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DAHOMEY
Passada a 1ª parte (10 minutos?) filmada no Quai Branly e exasperantemente esteticista e vazia - voz de um rei/estátua e ecrã preto -, quando não se vê encaixotarem as obras do Benim, passada a 1ª secção, repito, o filme é admirável. Estão lá todas as questões do tema Restituição, muito para além de uma abordagem cinéfila para festival ver (grande prémio no de Berlim).
É a instalação de 26 obras (em 7000 requeridas) no faustoso palácio presidencial no Benim (antigo Daomé), em Cotonou, julgo, inaugurado à pressa, e um debate muito vivo entre estudantes universitários mobilizados para uma assembleia representativa das elites burocráticas e académicas a quem o tema interessa (filmada na Universidade de Abomey-Calavi, ao que leio). Mas que obviamente não interessa à população que também vemos na cidade.
Objectos de museu (de arte) ou de culto, onde 95% segue as práticas do vudu? Objectos de antigo e novo prestígio ou luxo, quando grande parte da população não pode comer 3 refeições por dia? Tudo se vai dizendo, entre propósitos de revolução geral africana e autocrítica cultural - com alguma atenção à defesa do património imaterial. Refere-se o tesouro pilhado mas só ao de leve os objectos que se conservaram no país (conservaram?).
A chegada dos dignatários ao palácio é um desfile mágico, onde a tradição local vence os exemplos de Hollywood.
Aí as imagens são belíssimas e ágeis.
(* e **** separadamente para as duas partes).
Mati Diop é uma realizadora e actriz francesa de ascendência franco-senegalesa (n. Paris 1982).
Como no caso do filme "Mário", a atenção dos distribuidores-exibidores surpreende e é muito de louvar.
*
AI. AFRICAN INTELIGENCE
O que não entendemos, mas devemos aceitar: o mundo dos espíritos e os rituais de possessão. Filmado no Senegal durante um cerimonial de cinco dias e cinco noites. É o animismo, não é uma religião, e pode ser uma terapêutica. De África, a versão ocidental sub-sahariana passou ao Brasil e deu o Candonblé. Já a junção da I.A. Inteligência Africana com a Inteligência Artificial pareceu-me forçada, ou artificial, e proporciona algumas intervenções excêntricas. É um filme "de arte", e isso pesa.
Produção Maumaus / Lumiar Café. Exibição única na Associação Batoto Yetu Portugal, Caxias