1. A colecção (Fundação) Ilídio Pinho e duas considerações a ponderar, quanto à actual exposição produzida pela universidade do Porto e comissariada por Miguel von Hafe Perez, há muito assessor titular da Fundação/Colecção:
além dos núcleos de obras de Amadeo Souza Cardoso e Vieira da Silva (18 títulos), os outros núcleos mais numerosos, poderosos e representativos da colecção são dedicados a dois Júlios, Pomar e Resende, os quais constituíram grandes opções do coleccionador. Ora a presente exposição , intitulada "Aula do Visível", reduz Resende a uma obra de 1973 e Pomar a 3 obras (1972 e 1985) que não se podem considerar os melhores exemplos das suas carreiras e da colecção.
Porquê? O que aconteceu? Alguma hostilidade crítica? Mas na colecção aparece assim muito desfalcada, e até desvirtuada, e fica a justificar-se uma exposição conjunta dos dois artistas apreciados e adquiridos pelo mecenas Ilídio Pinho, os dois com origem ou passagem escolar no Porto e itinerários cronológicos paralelos.
(Voltei à minha faculdade de letras onde fiz dois anos de história e dois de filosofia, a partir dos 15 anos (1964-67?), para ganhar adiamentos da ida à tropa.)
2. É um espaço difícil para fazer exposições (mas já não cheira aos cavalos da GNR). E a montagem é precária, usando apenas painéis construídos, a poupar as paredes, deixando inteiramente vazio, árido e agreste, o grande espaço central - é tudo muito económico, e sem catálogo. E sem informação no exterior do edifício, sem público.
Começa-se muito bem com uma parede de Amadeos (5 obras) e 3 paredes 3 (!) de Vieiras (10 - na colecção há 18 títulos de diferente importância), mas a seguir a coisa complica-se. Deve saber-se que depois ou a par da Vieira (e Arpad), os núcleos mais extensos da colecção são os dos Júlios Pomar e Resende, que chegaram a constituir o alvo decisivo da colecção, antes de o patrono e mecenas passar a privilegiar acções nas áreas da ciência e do ensino. Acontece que o comissário não os quis destacar, ou porque são artistas que não lhe interessam ou para dar lugar a muita coisa diversa e de importância variável que tem entrado no acervo em anos recentes. É sem dúvida uma oportunidade perdida.
PAULA REGO O meu tio na Dordogne 1972 e JÚLIO POMAR Nevermore 1985 (da série O Corvo de Edgar Poe) - obras expostas
3. A colecção Ilídio Pinho (aliás, da Fundação com o seu nome) é uma das grandes coleções privadas de obras de artistas portugueses (a maior?), com alguns artistas estrangeiros também presentes - seria possível apresentar mais outra exposição, ou mais duas ou três, a partir do seu acervo.
E seria mais conveniente ter como comissário de uma tão alargada apresentação pública outro que não o seu responsável, Miguel von Hafe Perez - seriam outros critérios, outros olhares, outra leitura da colecção e das aquisições, recentes ou não.
O menos que se pode dizer por agora é que a seleção é irregular e conjuga peças de museu e/ou obras relevantes e outras que o não são. Aquisições do comissário? Compromissos locais? Acasos do mercado? A série de fotografias de grande formato não parece convincente, e resultará de um fenómeno cronológico.
Se o espaço é ingrato, ou mesmo impróprio, com a sequência de pequenas salas em dois pisos superiores, assinale-se a falta de informação na fachada do edifício (agora pertencente à Universidade, com o nome de Abel Salazar), sem a projeção mediática que tem a Reitoria próxima. Percorri-o sozinho, entre as meninas vigilantes, apesar de estarmos no centro do Porto.
Note-se que a colecção tem sido mostrada com frequência (ex: em 2021 na Fundação Arpad e Vieira da Silva) e muitas obras têm sido cedidas para diversas exposições.
EDUARDO LUIZ Au boucher vegetarien 1969 - exposto
4. O respectivo site aparece dividido em dois títulos: Vivências e Sonhos, seja lá o que isso for:
A secção VIVÊNCIAS incluiu obras que parecem ter sido reunidas pelo próprio Ilídio Pinho, numa cronologia que vai em geral até meados dos anos 1990, começada com Pousão, Silva Porto, Columbano e Silva Porto, anos 1880 - além de uma muito pequena paisagem de Renoir anterior.
A parte SONHOS aparece relacionada com o "projecto Anamese" (cito: "A criação da Fundação Ilídio Pinho, ao dar início ao projeto Anamnese (através do levantamento da Arte Contemporânea de 1993 a 2003), apoiado pelo Conselho de Artes da Fundação, faz sonhar o seu fundador Ilídio na continuidade da sua ligação às artes no período contemporâneo.") É uma prosa insólita, e as obras reunidas têm datas que vêm da década de 1960 até 2020-29, aliás 2024. Aí cabe de tudo um pouco, valorizando "o apoio direto aos artistas [que] esteve, assim, na génese da criação da coleção de arte contemporânea". Nem a cronologia nem a caracterização das obras distinguem um e outro acervo e o rótulo "arte contemporânea" é uma designação inconsistente.
JÚLIO RESENDE Mulher 1973 - exposto / Mulher da Ribeira - Toldo Vermelho, 1987 150 x 100 cm - não exposto
JÚLIO POMAR O Veado (de Tróia), D. Fuas e uma fumadora de ópio, 1986
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