Como é mesmo muito bom não fez parte das escolhas dos melhores do ano. Ainda bem, para desfazer confusões. Ana Mata na Módulo, 3 anos depois (estas pinturas não se fabricam depressa).
(do facebook, um pouco revisto)
Gostava de tentar explicar (a mim próprio) por que isto (esta pintura) é muito interessante (ou muito boa), e rara.
É uma pintura depois da fotografia, com recurso à fotografia, não para impregnar as telas ou para copiar projecções, mas para ver o visível de outro modo, para encenar, recortar, modelar, reflectir o visto e recriar a sua luz; sem as facilidades da apropriação fotográfica e sem as rotinas do "fazer qualquer coisa que sai sempre". A fotografia ilumina (num caso há um flash sobre um corpo); a pintura ilumina a luz e a sombra da fotografia (há um pano negro que atravessa um quadro).
Não é a pintura que é mediada pela fotografia, é o olhar que se alimenta do registo fotográfico, para ver melhor, ou ver diferente, mais profundamente, demoradamente, mas com a surpresa de um primeiro relance ou com a energia de uma imagem a afirmar-se, a reconhecer-se. A pintura (a pintora) serve-se da fotografia, às vezes serve-a como modelo, de passagem, e resgata a pintura, o prazer de ver pintura, na velha confrontação com a fotografia. Trata-se de passagens, de trânsitos, entre o visto, o fotografado e o pintado, não de fronteiras, acrescentando sempre - o modo de ver, o fazer e um campo aberto de observações/interrogações, de histórias.
Alguma coisa se imobilizou (na fotografia feita/captada/organizada e na pintura a fazer-se, gesto a gesto, pincelada visível, demorada) sem se suster a velocidade do ver e do pintar, sem ser a transcrição do registo e sem se mostrar como execução de um programa, mas ele existe, programa pensado, conceptual.
A pintura é rápida, sem incertezas legíveis, mas a obra da pintora (a carreira) é lenta, escassa, e a diversidade dos formatos, do muito grande (a 1ªa foto) ao muito pequeno, do heróico ao íntimo, a diversidade dos suportes (tela, alumínio e papel) e dos meios (óleo e tinta acrílica) e dos assuntos (a figura, o retrato (também auto-retrato), as plantas - natureza viva, e a "natureza morta", uns óculos), a circulação entre a cor e sombra/grisaille, conferem a cada pintura a densidade de um encontro único e a certeza da possibilidade dispensável de muitas variantes (mas cada peça é definitiva).
Não conheço agora nada de mais surpreendente em pintura, até por se tratar da lenta maturação de um trabalho ao mesmo tempo muito reflectido e intensamente vivido (vívido) e inesperado. Conhecido de anteriores mostras sempre novo e diferente. Ganhei o ano nos seus últimos dias. Agora vou ler o pequeno livrinho em que a Ana Mata, que não conheço, reuniu "notas do atelier". Chama-se "A pintura é o visível das histórias desconhecidas", e espero não contradizer aquilo que eu procurei pensar sobre as suas pinturas a justificar a admiração.