António Meneres foi um dos arquitectos envolvidos no levantamento fotográfico exaustivo que se chamou Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa, organizado pelo então Sindicato Nacional dos Arquitectos com algum apoio oficial (1955-1961) e que conduziu à edição do livro Arquitectura Popular em Portugal. Era então um muito jovem finalista de arquitectura, e integrou o grupo que percorreu a Zona 1, do Minho a Coimbra, com Fernando Távora e Rui Pimentel (também pintor, o “Arco” do neo-realismo inicial). Fotografava desde os 8 anos e continua a fotografar aos 80. O livro colectivo é uma das poucas obras-primas da fotografia portuguesa, também pela paginação e, claro, pela investigação que aí se documenta.
Dos fotógrafos-arquitectos participantes, julgo que, antes e depois, só três expuseram como fotógrafos, em mostras colectivas e individuais: Keil do Amaral (em duas edições das Exposições Gerais e postumamente em 1999), Nuno Teotónio Pereira (2004) e o próprio António Menéres, que tem sido, em anos recentes, uma das grandes memórias vivas e um dos divulgadores do Inquérito - mas sem se deter no saudosismo e sem pousar as câmaras. Passados 50 anos continua a faltar uma exposição e um estudo alargado sobre o Inquérito, o seu espólio e os seus fotógrafos.
Menéres continuou a usar a fotografia para estudar e deixar registada a arquitectura anónima, popular, tradicional ou vernácula, aquela que ao longo do tempo foi respondendo à necessidade de construir com os materiais próprios dos lugares, usando soluções validadas pelo uso, adequadas aos climas e certas com as paisagens - as que foram também construindo as paisagens humanizadas que conhecemos. É um trabalho levado a cabo com os seus meios próprios, revisitando o seu arquivo pessoal e profissional, mas continuando a sair para a estrada para fotografar, que se prolonga numa incansável vontade de expor. A longa actividade e intervenção profissional dedicada ao património permite-lhe construir as exposições e as edições possíveis com abordagens sistemáticas e comentários criteriosos.
Fotógrafo da arquitectura e das tradições populares, Menéres usa a fotografia. Talvez um dia reveja o seu acervo para se interrogar enquanto fotógrafo-artista, o que não é uma diferente identidade mas apenas um outro modo de seleccionar as suas provas de exposição. Pode dizer-se que faz uma fotografia também vernácula, como uma prática instrumental e aplicada onde importa em primeiro lugar o registo documental e informativo. Sabemos que - para além de algumas raras obras - são as fotografias úteis que melhor ultrapassam o seu tempo próprio para nos surpreenderam com o registo do que foi muitas vezes perdendo a sua referência documental. Sem ser preciso falar de Walker Evans, lembre-se que um dos grandes impulsos dados à fotografia aconteceu (também) nos anos 50, quando os novos fotógrafos espanhóis se propuseram "esquecer a palavra arte por um tempo", como disse um deles, Oriol Maspons (citado por Horacio Fernández, Variaciones en España. Fotografia y arte 1900-1980, ed. La Fábrica, 2004). A grande diferença pensinsular é que Maspons o escrevia no próprio boletim "Arte Fotográfico" da Real Sociedad Fotográfica, em 1957. Em Portugal, os arquitectos fotografavam mas mantiveram-se à margem das agremiações de fotógrafos, a partir das quais (e contra elas) se fez em muitos países a ruptura moderna.
4 Março 2013 (revisto)