Posted at 23:06 in 1952, 2020, Artistas Portugal, Atelier-Museu Júlio Pomar, Júlio Pomar, Neo-realismo, retrato | Permalink | Comments (0)
Rui Filipe (1928-1997) não foi neo-realista, ....
Paisagem 1972 e Sem título [Floresta Africana], 1976
da dir. para a esq. Menina, 1953; Natureza Morta, 1951-53; Crianças na Praia, 1953
... nem surrealista, nem "abstracto" e são em geral os estilos colectivos que se valorizam e divulgam. É muito mais fácil apontar um qualquer ismo, recorre-se a uma grelha sabida e cada artista é visto como a ilustração de uma versão nacional do movimento, em geral sem originalidade assinalável.
Rui Filipe é mostrado no Museu que Vila Franca de Xira dedica ao Neo-Realismo, e é uma surpresa: a sua obra é mal conhecida, em especial a das primeiras décadas (o comissariado é de Paula Loura Baptista). Por momentos a sua figuração pode aparentar-se aos realistas (Multidão, 1962, e Carrocel, 1960-61). Antes, a geometrização da paisagem é reflectida e poderosa, sem ser um mero exercício formal (Casas, 1954). Muito mais tarde algumas obras sugerem um regresso a visões africanas, nomeadamente ao all-over próprio de Malangatana. Mas desde as obras dos anos 50 (Menina, 1953; Natureza Morta, 1951-53; Crianças na Praia, 1953; ou os casarios sombrios) há uma muito constante estranheza intrigante, alucinada, ou uma dimensão talvez metafísica, única na pintura portuguesa, que se mantém nas paisagens lunares de objectos abstractos e depois nas figuras frontais e imóveis, espectrais, da sua obra tardia e mais conhecida.
Veio de Moçambique (em 1946), como se confirma pelas primeiras peças da exp., com retratos africanos que se dirão académicos (discípulo de Frederico Ayres em Lourenço Marques). Primeiras exp locais em 1944 e 46, de onde Henrique Galvao terá trazido uma beleza negra que incluiu em Outras Terras, Outras Gentes, na edição em fascículos de 1944-47. Depois foi aluno de Domingos Rebelo e de Dórdio Gomes, no Porto (EBAP?), e principalmente de Vázquez Dias em Madrid (1948-51), um sólido e influente admirador de Cézanne, com quem "aprofundou os valores expressivos de um paisagismo mental, articulando as superfícies dos motivos numa continuidade contornada muito rítmica que o cromatismo surdo acentua", Raquel Henriques da Silva (Museu do Chiado: Arte portuguesa 1850-1950, 1994, p. 314; in Wikipedia).
Viajou e frequentou academias em Paris (La Grande Chaumière) e Londres, a Slade, colega de Cutileiro... É um itinerário original e raro no seu tempo, e a sua obra é também original, pessoal, diferente. A mostra antológica, a 1ª, prolonga-se até Outubro e aguarda-se ainda o catálogo (tornou-se norma, uma praga, falhar a divulgação de uma exp e de um artista deixando a edição para as calendas...) Dizem-me que sairá no início de Setembro, e assim a exp. terá um segundo fôlego...
Entre 1962 e 1982 trabalhou em publicidade, que foi ocupação de muitos, e em geral fatal, mas não no seu caso. Nos anos 80, em que expôs com frequência e sucesso, as suas telas manifestam uma densidade expressiva algo dramática (que tem a ver com a morte de um filho), muitas vezes ocupadas por um rosto escultural que se destaca de um também denso trabalho matérico.
São particularmente interessantes as paisagens abstractas, ou que são antes espaços ambíguos preenchidos por formas escultóricas reconhecíveis e não figurativas, e as referências africanas que surgem em alguns trabalhos onde se reconhece uma vegetação luxuriante ou um encadeado ascendente de corpos que lembra nitidamente a escultura maconde na variante ”Ujamaa”, que significa família ou união.
Negra, 1945, publicado em Outras Terras, Outras Gentes, de Henrique Galvão
Vale a pena ir ver
Posted at 13:16 in 2020, Artistas Portugal, Neo-realismo, Vila Franca de Xira | Permalink | Comments (0)
Transcrevo um mail do João Francisco sobre a exposição Mille-fleurs que hoje (10 de Novembro) chega ao fim.
"Eu não sei se posso dizer que o tema dos refugiados e dos naufrágios seja o principal ou o único da exposição [ não, não é o único, talvez não seja o principal, mas é aquele que mais intensamente atinge o observador, logo no espaço inicial da exposição, quando se começa a identificar a presença dos migrantes e dos mortos do Mediterrâneo; não é rápida essa identificação, ela é elidida pelo autor e talvez a evitemos, porque a arte não trata dessas coisas... Só mais tarde, ao tentar escrever sobre a exposição, o assunto se me tornou evidente, irrecusável.] O ponto de partida foram de facto as tapeçarias mille-fleurs, que realmente admiro e que me intrigam. A vontade de fazer algo a partir delas era já antiga. E o painel grande com as flores e os animais mortos foi o que inicialmente surgiu dessa referência (e que nesse sentido talvez se possa dizer que a ela mais esteja preso).
As outras pinturas da exposição surgiram autónomas a esta peça maior mas mantendo, para mim, esta procedência:
- por um lado na série mille-fleurs (as colagens sobre os desenhos de bordados reutilizados) onde se joga com a ideia de "cartão", ou seja, de algo que está a meio caminho entre a ideia e um outro objecto final a realizar, e onde sigo mais ou menos o aparato das tapeçarias referidas: um motivo central rodeado de elementos pequenos, mais ou menos parecidos, no que vejo também uma ironia com a repetição tão cara ao minimalismo. Interessou-me explorar a relação entre o que eu pintei e os elementos já existentes nas páginas encontradas, essa conversa entre o novo e o antigo, a passagem do tempo também, no fundo. Tudo isto tendo em conta a ironia e o anacronismo que consiste em falar hoje de uma forma de arte completamente morta e especifica como é a da tapeçaria. (que acresce também ao facto de ser já eu um pintor de "naturezas mortas" , um género "menor");
- e por outro nas pinturas a acrílico mais pequenas ("as paisagens"), que exploram temas que poderiam também ser motivos para tapeçarias (substituindo-se às cenas épicas de batalhas, mitologias, paisagens mais ou menos exóticas).
Tendo dito isto, o tema dos refugiados e dos naufrágios tornou-se bastante importante, aparecendo várias vezes, bem como pela primeira vez a inclusão de corpos, ou fragmentos deles (quase sempre o meu) , que interagem com os objectos estáticos da natureza morta, ou que parecem fazer um comentário à "acção".
É também como diz, senti que era um assunto delicado e melindroso, em relação ao qual tive muitas dúvidas durante o processo - se devia ou podia ser explorado - , e que achei melhor não nomear (embora o tenha feito indirectamente nos títulos: " o náufrago", "figura a observar um naufrágio", "no mediterrâneo", "sob as ondas").
Agrada-me também, como lhe disse, esse desafio de deixar, dando algumas pistas, que o espectador entre no jogo, em vez de explicar e dissecar por completo as imagens (prefiro que elas interpelem o espectador, que criem um diálogo). Interessa-me no fundo que as imagens vivam por si e sejam eficazes, e que não sejam meras ilustrações de uma ideia inicial ou literária. E daí as pinturas evocarem o drama dos naufrágios sem reproduzirem ou partirem das imagens deles com que somos regularmente confrontados (a construção no atelier destas amálgamas de corpos e ondas, em substituição dos reais, acaba por não me parecer menos trágica e inquietante). São no fundo coisas muito fora de moda e nada contemporâneas: símbolos, alegorias. Um pouco como as estátuas dos "duplos" do antigo Egipto.
Mais do que o drama específico no Mediterrâneo talvez seja a morte, e o tempo, um dos fios condutores da exposição. Ela aparece em algumas das paisagens (as paisagens onde surgem caveiras aludem às fantásticas imagens, maioritariamente medievais/renascentistas, do juízo final, onde o inferno é mostrado muitas vezes como um monstro de enorme boca aberta por onde entram as pobres almas condenadas....); no "Lázaro", que estando morto volta à vida; nas velas, acesas ou apagadas; nas flores, frescas ou murchas, reais ou artificiais; no Mársias, esfolado vivo como castigo; no próprio painel "mille-fleurs", no diálogo entre os animais mortos e as flores aparentemente vivas (ainda, mas isso é um jogo antigo da pintura de naturezas-mortas....).
Sem título - mille-fleurs (pinceladas numa paisagem/ Lázaro / as pinceladas flutuantes / debaixo das ondas), 2018
E antes leia-se na galeria a "folha de sala" escrita pelo João Francisco:
mille-fleurs
O assunto que talvez possa agregar o conjunto de pinturas recentes que aqui se apresentam é o da paisagem. Apesar de serem assumidamente naturezas-mortas, na medida em que consistem em objectos reais, dispostos e observados, estas imagens olham para o exterior, lá para fora. Falam de montanhas e desertos, do mar e de florestas, de ruínas, de jardins. Olham também através deles para o interior (não serão as paisagens aí ainda mais perigosas e sombrias?).
O título da exposição e muitas das peças apresentadas partem de um tema que importa explicar: mille-fleurs ou mil flores. É o termo utilizado para agrupar um conjunto de tapeçarias produzidas no norte da França e na Flandres sensivelmente entre o final da Idade Média e o início do Renascimento. O que as torna num grupo específico é o uso que fazem, de forma
repetitiva e obsessiva, da representação de flores e plantas que, rodeando por completo os elementos em destaque (que podem ir de damas com unicórnios a caçadores, personagens galantes ou mitológicas), criam um espaço mais mítico que natural, mais caracterizado por uma exuberância decorativa que pela sugestão de uma paisagem real onde as figuras se inserem. Estas representações de flora, a que muitas vezes é também adicionada a presença de pequenos animais, são no entanto extremamente fiéis: são reconhecíveis com facilidade as espécies de planta selvagens e de cultivo doméstico, o que anuncia a cultura humanista e científica do Renascimento.
Realizado ao longo de vários meses o vasto conjunto de pequenas pinturas mille-fleurs pode ser entendido simultaneamente como memória desse tempo que passa, e como retrato de um espaço específico, de um jardim, registando e mostrando o que lá cresceu e morreu. Assimilando a estrutura formal das referidas tapeçarias em que as plantas se encadeiam de forma regular criando como que uma grelha, esta peça é uma afirmação do fascínio que a natureza, por mais remota ou doméstica, real ou mítica que seja, continua a realizar.
A descoberta fortuita de um conjunto numeroso de esquissos utilizados para bordar despoletou outro conjunto de peças: nessa memória ou fantasma dos desenhos que foram passados para um outro suporte têxtil, reconheci a dos “cartões” das tapeçarias, modelos em tamanho real do que iria ser tecido e que, devido à constante e violenta utilização, raramente sobreviveram (e de que os cartões para os Actos dos apóstolos de Rafael são uma notável excepção). Criando um fundo relativamente homogéneo a colagem destes desenhos, todos referentes com graus diversos de realismo e estilização a plantas, permitiu a construção de um campo onde a pintura acontece. É neste jogo entre o que se oculta e o que permanece visível que estas páginas encontram sentido.
Falando das paisagens em si talvez as vejamos como pessimistas e escuras. Por vezes inquietantes e inóspitas. Possivelmente também irónicas ou ridículas. Talvez tenham de ser assim. Fazendo minhas as palavras de Bernard: (...) e saí para a rua sozinho, de impermeável vestido, e as montanhas eternas fizeram-me sentir enjoado e nada sublime (Virginia Woolf, As Ondas).
Posted at 00:05 in 2018, Artistas Portugal, Galeria 111, João Francisco | Permalink | Comments (0)
Transcrevo do Facebook (de 10 de Dez.) para não perder mais tempo. Com um ou outro acrescento pontual.
1- Já leram a promoção que um conhecido semanário (o Expresso) faz hoje de um desconhecido historiador de arte (o Bernardo Pinto de Almeida, catedrático)? É informação? É crítica? É recado? É bairrismo? É publicidade? É uma vergonha. Rais partam o semanário que desce, desce, desce... Fiquei espantado qd vi a revista de um amigo. Como não acreditei, vim a casa digitalizar para guardar as provas do delito (do Valdemar Cruz, um topa a tudo sem competência para se ocupar do tema, mesmo como jornalista generalista).
2- Devo dizer que comecei a ficar incomodado qd recebi um mail assim: "Conversa Pública e Lançamento do Livro
Com <...o autor> (Professor Catedrático na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto) e João Ribas (Diretor Adjunto do Museu de Arte Contemporânea de Serralves)
Com esta obra luxuosa, repleta de belíssimas imagens (mais de 500), <o autor> apresenta-nos uma visão profundamente original e inovadora da História da Arte portuguesa no último século.
Rompendo com muitas das ideias cristalizadas no tempo sobre artistas inigualáveis como Amadeo de Souza-Cardoso, e revelando a genialidade de nomes quase esquecidos, o mais importante crítico de arte da atualidade oferece-nos uma panorâmica, excecionalmente rica e solidamente fundamentada, da receção nacional aos movimentos artísticos do século XX e dos seus protagonistas.
Esta será, daqui em diante, ‘a’ História da Arte portuguesa contemporânea, referência incontornável para artistas, colecionadores, estudantes e amantes de arte.
" 'É com este alfobre de ideias, de conhecimentos enciclopédicos, de finura de observação, de alta cultura não só artística como também filosófica e literária, através de uma escrita sempre elaborada e original, rica de semelhanças e diferenças, que o leitor fica – com as imagens ao lado – habilitado a escolher de entre o ‘museu imaginário’ concebido <pelo autor> as obras que mais gostaria de levar para casa a fim de as colocar no pequeno museu da sua imaginação.' - do prefácio de Manuel Villaverde. " [Mas foi mesmo o MVC que escreveu esta prosa digna de um qq serôdio académico? Não é o Manel que eu conheci.]
Enviado pelo autor do livro, este escrito promocional está também e ainda na Agenda de Serralves: http://www.serralves.pt/pt/actividades/historia-portuguesa-do-sec-xx-uma-historia-critica/ Já tinha esquecido a coisa qd sábado deparei com a Revista do Expresso. Anote-se para a História que alinham nas sessões, no Porto, o João Ribas, o António Guerreiro e o Manuel Villaverde Cabral, e em Lisboa Margarida Acciaiuoli, o mesmo Manel e o José Bragança de Miranda, numa "conversa aberta" moderada por Margarida Brito Alves e Filomena Serra.
3- Pergunta o escriba (V.C.) para entrar na matéria: "Pode um artista integrado na lógica fascista ser em simultâneo um modernista?" (e se dissermos que a "lógica fascista" é em si mesmo modernista? - o perguntador perderá o pé?)
"Há um modernismo fora de Lisboa, porque o regime proibia as manifestações modernistas. Sobretudo a partir de 1931, procura arregimentar os artistas." Vem entre aspas, deve ser do catedrático.
'O regime' já proibia antes de 1931? Já procurava arregimentar os artistas? Mas 'o regime' existia antes de 1931? Ferro antes de Ferro?
'O regime' fazia as suas Exposições de Arte Moderna, no SPN/SNI, por onde passavam os modernos / 'modernistas' existentes, contemporâneos mais ou menos coevos das modernidades moderadas dos anos 30 com curso dominante em todo o mundo, nessa década de reafirmações realistas em diferentes formações nacionais (ver "Années 30 en Europe - Le Temps Menaçant", MAM Ville de Paris 1997) e incluindo surrealistas como Pedro, Dacosta e Cândido (eram do "contramovimento" segundo MVCabral), e até futuros neo-realistas, mas diz-se que "proibia as manifestações modernistas" (as exposições, entenda-se).
"Não se pode dizer que aquele grupo dos neomodernistas lisboetas são pintores modernistas, porque vendiam todos para o regime". Temos aqui um 'must' entre as muitas pérolas. Eram modernos porque expunham no Salão de Arte Moderna e porque se contrapunham aos "botas de elástico" da SNBA (a Sociedade à antiga), como se devia saber, e também eram 'neomodernistas' mas não, nunca modernistas. Vá-se lá entender o que por aí se escreve, inovando, polemicando, contextualizando, e com muitas ilustrações para fazer um coffee table book a dar-se ares de hiustória crítica.
Estranho era o Botas ('o regime') ter comprado a todos - ele saberia? Assinava os cheques sem ver? O Ferro enganava-o? Temos por aí uma nova pista para abordar o fascismo nacional.
Os artistas que trabalharam para António Ferro "não são modernistas, e esta é a primeira grande dissensão relativamente ao critério de França". Etc, por aí fora, sem se perceber se o jornalista percebe o que escreve e o que cita.
Modernismo é uma palavra de uso difícil e variado, que quer dizer coisas diversas, episodicamente, em países e tempos diferentes. Modernista, em princípio, era alguém ou algum movimento que se reclamava como moderno, como do seu tempo, portanto inovador, em geral definindo-se numa "vanguarda", numa corrente, tendência ou estilo que se opunha a outros, anteriores ou diversos. Hoje já não há modernistas, o que torna mais complexo um uso útil do termo: ou é uma categoria precisa na história ou é uma sucessão ± vaga de movimentos e/ou vanguardas que têm só em comum o facto de se substituíram e/ou sobreporem desde meados do séc. XIX aos academismos e salonismos (aos gostos dos Salons) dominantes. Para muitos ficou entendido como modernismo a sua versão tardia e última, formalista à Greenberg. Mas modernismo pode ser também um não-conceito vazio, um saco de gatos, uma rasteira aos incautos, um factor de intermináveis confusões.
ADENDA
Recordo que, entre outros quiproquos, no Expresso e fora, escrevi em 1994 uma crítica sobre a 1ª versão desta mesma história nacional: EXPRESSO Actual, 12 Fevereiro, pp. 15 e 16, sob o delicado título "Borrar a pintura". O sr respondeu na edição de dia 26 (texto não transcrito no local abaixo referido) e eu respondi-lhe na mesma data ("Ponto final"): os interessados podem ler em http://alexandrepomar.typepad.com/alexandre_pomar/2010/01/pol%C3%A9mica-em-1994.html
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Editor, poeta, amigo e cúmplice de Fernando Lanhas desde os anos 40, Fernando Guedes (n. Porto, 1929 - 2016) foi também crítico de arte, e nesse papel assumiu uma importância que tem sido pouco reconhecida por razões ideológicas e em especial pelo inquistamento de posições dominantes neste meio.
Entre outras publicações, F.G. reuniu colaborações dispersas em "Pintura, Pintores, etc", ed. Panorama - SNI, 1952 (actividade e livro que mereceu menos do que uma menção de J. A. França na sua história do séc. XX - a oposição entre os dois permite situar uma linha de omissões e incorrecções da historiografia portuguesa). Depois, "Estudos sobre Artes Plásticas - Os anos 40 em Portugal e outros estudos", INCM, 1985, é uma justa resposta à exposição sobre os Anos 40 organizada sob a tutela do mesmo J.A.França na Fund. Gulbenkian. Em especial, o seu testemunho analítico é essencial para acompanhar a intervenção do grupo dos Independentes do Porto, activos de 1943 a 1950, e onde se integram os inícios das carreiras de Júlio Resende, Fernando Lanhas (o principal animador), Nadir Afonso, Júlio Pomar, Arlindo Rocha, Victor Palla e outros. E também, por consequência, os inícios da abstracção, no Porto, depois atrasada para 1952, em Lisboa, entre outros efeitos.
Escreveu textos de crítica e divulgação nas revistas Graal, Tempo Presente, Rumo e Panorama, e nos jornais Diário Ilustrado (nº 1 em 1956, vespertino de qualidade impresso na gráfica do Diário da Manhã, orgão oficial do regime), Diário de Notícias e Diário da Manhã, o que o situa desde logo como um autor da direita ideológica, mas que no seu caso não diminui a qualidade da observação crítica. Foi um crítico atento e isento, particularmente interessado no abstraccionismo (ver a "Tábua cronológica da pintura abstracta em Portugal", de 1952), escreveu também alguma coisa sobre arte infantil e apresentou no pós-guerra artistas ingleses como Wyndham Lewis, Paul Nash, Henry Moore e Sutherland
Tive há tempos a indicação de que Fernando Guedes organizou (ou foi só um dos participantes?) uma intervenção provocadora que ocorreu em 1960 contra a estreia no Teatro Capitólio, em Lisboa, da peça "A Alma Boa de Setsuan", de Bertold Brecht, apresentada pela Companhia de Maria della Costa, visando a sua interdição. O episódio motivaria algumas rupturas pessoais definitivas no meio ligado às artes. (Se não corresponde à realidade, desminta-se agora.) <Jorge Silva Melo já veio dizer que sempre ouviu "falar de Manuel Múrias como o organizador dos "eventos" anti-brecht-della costa; mas também de Goulart Nogueira">
Em termos pessoais, cabe referir a gentileza de me ter enviado, nos anos 90, fotocópias de todos os catálogos dos Independentes e alguns outros da época, num gesto raro de colaboração e reconhecimento mútuo.
(capas da ed. cartonada e corrente)
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Nenhum outro jovem artista me continua a surpreender tanto como o João Francisco, e a admiração prolonga-se desde 2008, data de uma primeira exposição vista. Agora mostrou trabalhos concebidos para uma instalação de dois dias apenas, num espaço pouco frequentado que nesta ocasião se encerra definitivamente. Tenho só uma vaga memória de lá ter passado um dia, sem consequências, mas o J.F. diz-me que a superfície elevada do chão, que pode ser mesa ou palco e ocupa grande parte da sala, faz parte das regras do espaço, a altura variável. Usou-o a muito pouca altura, como um chão apenas destacado do chão maior da sala, e sobre essa plataforma soerguida mostra um grande desenho a preto e branco que a preenche por inteiro. Um desenho que reduzido à pequena escala da fotografia parece um objecto, com relevo próprio, ou uma representação toda ela em em trompe l'oeil, que de facto não é. Não é o mesmo que se vê no local, se se percorre com um olhar circundante a folha desenhada de grande formato onde as formas, as pregas, os objectos, não são imediatamente legíveis (elas aparecem sintetizadas pela fotografia).
Sobre um soalho horizontal que é já desenho e é fundo dispõem-se amarrotados um tapete ou dois e outros tecidos (oleado?), nos quais se formam grandes pregas ondulantes, irregulares e desordenadas, numa orografia insólita que não aparece imediatamente referida às ondas agitadas de um mar; parece haver adiante (acima?) montes e vales, e uma ponte à direita, mas pode ser só a necessidade de identificar aparências. Há pelo menos um pedaço de madeira bem visível, como os que vão dar à praia, e descortina-se um barco em miniatura ou de brincar, outro barco de papel e pelo menos mais uma outra proa ou forma aproximada.
É de natureza-morta que se trata, como todos ou quase todos os trabalhos do J.F. - ou todos eles partem da relação de observação do pintor diante da disposição de objectos, regra da natureza-morta, e ganham depois as obras, a partir do género natureza-morta, lugares diversos de contiguidade com a paisagem ou então são a construção de ficções visuais, talvez também narrativas, ou são puzzles complexos de aparências objectuais e artifícios ou de achados perspécticos, e igualmente de referências e citações a outras obras de arte (sempre através de imagens apropriadas, fotos recortadas, estampas, sempre redesenhadas pelo autor - não se trata de colagem de materiais alheios). As sugestões de leitura acumulam-se em sucessivas camadas ou apontam diferentes pistas, e os títulos apoiam e orientam o espectador.
O desenho ou pintura de observação começa por ser construção de cenários e estes são acumulações de objectos e igualmente acumulações de sentidos e de histórias e conteúdos (também os da história da arte - o João é um erudito), mesmo que pareçam ser só disposição de objectos. Estamos perante um exercício habilíssimo da mão que desenha sobre uma encenação de coisas que é em si mesma profundamente pensada. E que são também coisas vividas: os objectos representados são objectos pessoais, familiares, de infância, oferecidos, e igualmente coisas encontradas, recolhidas, coleccionadas, acumuladas por um recolector insistente (mais divertido, parece, que obsessivo), em grande a partir da deambulação pelas praias. Voltamos assim às ondas.
Além do grande desenho horizontalmente exposto e, como acontece nos trabalhos do JF, também desenhado na horizontal, sobre o soalho, grande desenho que pode pensar-se como acumulação de tapetes e tecidos ou oleados encalhados na praia, mas também como um cama desarranjada - é um desenho a grafite de 240 x 140 cm - , mostra-se em duas paredes em ângulo uma série de pequenas pinturas a guache sobre papel, de 40,8 x 30,5 cm. Aí se enumeram ou descrevem pequenos objectos, anzóis, vértebras de peixe (?), fragmentos de embalagens, pedaços de madeira, brinquedos (uma costeleta de plástico), etc, isolados ou em conjuntos por espécies, todos eles vistos sobre tábuas de soalho.
Chama-se a série "Sem título - objectos flutuantes", e trata-se, de facto, da representação de coisas trazidas dos areais que João Francisco percorre, da Praia Azul e Santa Cruz, a Torres Vedras, perto de onde vive. Esta série de pinturas é por si mesma uma colecção e o que mostra são objectos recolhidos e coleccionados, como uma espécie de inventário, lembrando directamente a série "Sem título - o naturalista, 2009-2012", com 16 pinturas a guache sobre papel, 70x50 cm cada, que era uma enumeração-classificação de objectos decorativos e de brinquedos arrumados por géneros (cavalos, cães, bonecas, galos, etc). Há uma aparência divertida de seriedade científica nestas descrições que brincam com o desenho colorido tosco e rápido, que tem algo de infantil e evidente humor. E também se lembra nestas pinturas e no desenho de grande formato uma anterior instalação-acumulação que igualmente se viu há dois anos na Galeria Municipal de Torres Vedras, intitulada "Sem título - trazido pelo mar para Joseph Cornell", 2005 - ... / feita de brinquedos recolhidos na praia (dim. variáveis).
E foi o J.F. que me apontou a referência à Onda de Hokusai, a mais paradigmática das ondas (http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Grande_Onda_de_Kanagawa). Lá estão as três barcaças semi-ocultas nas ondas tormentosas, passadas às pregas dos tapetes com idêntico dramatismo. O mar ocupa todo o espaço da folha de Hokusai, sem um lugar distanciado para o observador, também ele incluído na cena representada. É uma visão frontal, recortada pelos bordos da página, preenchendo a página ou o ecrã, sem haver exterior à cena. Pelo contrário, J.F. "desconstrói" a representação, deixando ver as margens do soalho sobre o qual dispõe os objectos da cena (há quatro seixos rolados trazidos da praia que seguram os acntos da folha).
Representa o mar como construção montada para este desenho, como cenário de tapetes e mantas para o teatro que vemos - e onde não estamos imersos: o desenho mostra-se como desenho, e a ficção desenhada dá a ver os meios de que serve, denuncia-se como ficção, como construção de aparência e ilusões. A visão não é frontal e estável como a do ecrã de cinema (e do computador) ou a do palco do teatro, ou ainda na fotografia: no que vemos partilhamos o olhar do artista que desenhou verticalmente sobre o chão horizontal, deslocando-se lateralmente sobre a folha, criando uma sucessão de pontos de vista e de fuga.
A superfície plana da folha torna-se ela mesma sucessão desordenada de pregass e onda, e não é da criação de um espaço ilusório que se trata (a ilusão é denunciada mostrando os objectos que a constroem), o ilusionismo do trompe l'oeil não é um exercício de virtuosismo maneirista, o jogo dos pontos de observação e das perspectivas constrói com os objectos encenados um teatro que decorre à vista do observador. Vemos o fazer e o desfazer do cenário, vemos um teatro de brinquedos em vez de uma história de aventuras marítimas, vemos desenho ou pintura de histórias (histórias da arte: a natureza-morta e a paisagem marinha, a atracção do trompe l'oeil, Hokusai, etc).
"Sem título - o naturalista, 2009-2012"
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Tags: João Francisco
Durante as Exposições Independentes (1943-1950), Lanhas colabora com a página Arte do vespertino "A Tarde". Esteve ligado à iniciativa da publicação no contexto do final da 2ª Guerra (também com Victor Palla, então muito activo no Porto); não escreve, mas publica desenhos. Foi Lanhas que sugeriu o nome de Júlio Pomar a António Cruz para dirigir o suplemento. Nomeadamente:
Estudo para "Tambores", 1945. (23-6-1945)
Por ocasião da vinda dos Independentes a Lisboa, com palestras de Victor Palla e Júlio Pomar que a Vértice publicou. Lanhas expôs pela 1ª x O Violino (dp O2-43-44), e tb Rochedos (Ansiedade), de c. 1945.
A crítica é do depois brevemente surrealista (oriundo da António Arroio) Fernando José Francisco.
sobre Lanhas: “Fernando Lanhas fabrica abstracções. No mais característico da abstracção, a de Gleizes, por exemplo, apresentava-se um tipo de composição, de linha e côr, em que se pretendia resolver os ritmos fundamentais e psicològicamente certos da vida actual, segundo a desumanização que se acreditou necessária em toda a chamada Escola de Paris. O que nos ficou, foi apenas um esquema, apenas útil sob o ponto de vista didático. Isto não é apontado porque F. Lanhas apresente as mesmas características, tanto mais que êle se mostra muito mais desinteressado ainda. O congestionamento de “arte a mais” dá em não se olhar à pintura as suas
características fundamentais. Fernando Lanhas a continuar assim, tem (apesar de malhar em ferro frio) de cuidar mais dos seus meios - embora não haja êxito possivel, pois não encontrará o apoio, a base que lhe determine a melhoria da expressão. Mas é de esperar que reveja as suas idéias e as ponha de acordo com as realidades.”
Fernando José francisco, in Lisboa - a exp independente no IST
Com Estudo para "Tambores", 1945. (23-6-1945)
Arte nº 11, 18-8-1945. O desenho será um estudo para Velha Branca, 1945 (à esq. Jack Levine. No alto da pág., uma citação de André Breton: "E trata-se, no entanto, sempre da vida e da morte, do amor e da razão, da justiça e do crime. A partida não é desinteressada!")
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A natureza-morta depois de 1955
Para reflectir sobre a história antiga e moderna da natureza-morta, a propósito da exposição da Gulbenkian, que termina à data da morte de Calouste Gulbenkian, há que prolongá-la até ao presente para que não se julgue que a pintura de coisas inanimadas (mais do que de coisas mortas - still life, vida imóvel ) se extinguiu como um género do passado. Não é arte antiga ou de museu, património. Ameaçada no século XX, depois de um início de século florescente, ela recompôs-se e continuou a ser especialmente prezada pelos pintores, sem nunca se constituir como um género académico ou convencional.
Pode ser um género mundano e banalizado por muitos quadros de jarras com flores, pode ter sido um género "neutralizado" como uma mera oportunidade para experimentações formais ( "In modern art simple still life arrangements have often been used as a relatively neutral basis for formal experiment, for example by Paul Cézanne and the Cubist painters" - diz o glossário da Tate com alguma facilitação escolar ), mas há que reconhecer que a prática da natureza-morta se manteve uma questão actual, mesmo quando o mainstream não o reconhece, ou por isso mesmo. A natureza-morta está viva.
Na sua história recente (a que a expo. mostra), a natureza-morta respondeu por um lado aos abstraccionismos sucessivos, que se divorciaram da figuração, e da imitação ou descrição de coisas visíveis, mas não - ou nem sempre - da representação conceptual, expressionista ou idealista, na sequência do simbolismo e também de práticas da decoração iconofóbica. Sobreviveu, por outro lado, à prática depois muito mais frequente da apropriação directa dos objectos, presentes em si mesmo, tal qual ou alterados, mas não descritos ou representados (o ready made é o exemplo pioneiro). Esta é uma deriva iniciada com a prática da colagem, ao incorporar-se no quadro a coisa mesma (o rótulo, por exemplo, ou o pedaço de madeira). Cada um desses caminhos novos abriu um caudal próprio, que teve a tentação de se afirmar como superior e como uma meta definitiva, sem de facto o serem e sem excluirem outras pistas antes experimentadas, que evoluiram através de novas e diferentes criações interessadas no diálogo com o passado ou com o que se pode chamar a tradição. A natureza-morta continuou a ser imprevisível. O género é inesgotável, mas muito exigente.
Por exemplo, foi pela natureza-morta que começou a obra de um dos pintores mais interessantes do presente: o José Loureiro.
A pintura abaixo mostrou-se na sua 1ª exposição, a qual se chamou "José se quiseres come as sardinhas todas", e teve lugar na galeria Ether (Lisboa), em 1988.
Sobre a mesa estão, pelo menos, uma jarra, um despertador e uma máquina fotográfica (o quadro tem como medidas 85 x 210 cm). Sobre a tela está a matéria do óleo, a sua viscosidade e a iluminação ou penumbra próprias, o trânsito entre o informe e as formas reconhecíveis ou não. Havia também noutros quadros míscaros, uma enguia e uma sardinha, várias máquinas (leika, kodak), diversos utensílios de cozinha, etc. E podiam reconhecer-se, além de objectos, associações com outros pintores, porque a natureza-morta é particularmente propícia às viagens pela história da pintura.
João Francisco em 2008, vinte anos depois, noutra exposição de estreia, voltou a começar pela natureza-morta.
"Sem título - Tempestade em Trouville - para E. Boudin", 2008, óleo sobre tela, 160 x 180 cm.
A exposição chamou-se "O Arqueólogo amador (e outras naturezas mortas)", esteve na Galeria 111, em 2008, e teve sequência feliz numa segunda individual em 2010 que chegou a coincidir com a 1ª parte da mostra da Gulbenkian. Andava tudo à volta da natureza-morta, das coisas vistas e da sua representação, de representações de objectos e de imagens (o quadro dentro do quadro) e do espaço entre eles, de objectos ou fragmentos, acumulações e disposições ordenadas, referências e citações da história da pintura: obviamente Morandi, mas também Philip Guston, Gauguin e Carl André, e Cézanne, claro.
Lá por fora, os dois nomes maiores de pintores que se interessaram há décadas e ainda em tempos recentes pela natureza-morta são os de Avigdor Arikha (1929-2010) e de David Hockney (n. 1937).
Arikha: Diospiros num pote japonês, 18 Nov. 1992, o.t., 27 x 46 cm
Hockney: Duas flores cor de rosa, 1989, o.t. 41,9 x 26,7 cm.
("Bigger Trees Near Warter or/ou Peinture sur le Motif pour le Nouvel Age Post-Photographique" é o título da sua exp. em Bradford - ver site)
Pintura "from life" ou "sur le motif" ou "do natural", ou de observação, de que a natureza-morta é uma das declinações mais "representativas". (Para uma nova era pós-fotográfica...)
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O óleo é comum aos quatro exemplos, mas os dois jovens pintores mostram grandes formatos que são também obras de grande (da maior) ambição, enquanto os velhos pintores praticam aqui uma comunicação mais directa e sintética na sua pequena dimensão. O pequeno formato resultará aqui de uma segurança e de uma eficácia adquiridas com longa experiência, mas que mantém um máximo de frescura e é uma surpresa face à "dificuldade" da arte tida por erudita. De uma sábia despreocupação.
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a inaugurar domingo 14 (19h) e a continuar até Outubro. Depois da recente exposição em Montemor-o-Novo ( aqui ),reunião de trabalhos de 2008 a 2011 - quase sempre pela periferia, um trabalho de longo curso. Pessoal e ideossincrático.
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José Miguel Gervásio
(*L fotos)
só até sábado 4, Galeria Municipal
A escultura é uma maqueta (ou vice-versa), uma construção que me lembra utopias-obsessões como o Merzbau (casa Merz) do Schwitters, um espaço arquitectónico (aqui miniaturizado como projecto) que é também um espaço interior, no duplo sentido de espaço habitado e mental. Invadido pelo desenho, e ele próprio desenho volumétrico. Colocada a escultura-maqueta no espaço central, ela desdobra-se numa galeria preenchida pelos grandes desenhos brancos ("Imagens de Atelier") - desenhos-colagens proliferantes montados sobre tela (papel de algodão sobre linho) - e noutra galeria onde as colagens de menor formato associam e sobrepõem diferentes papéis e técnicas e imagens, acumulando-se, ocultando-se ou sucedendo-se. São sempre narrativa a acontecer (interrompidas para a exposição mas certamente sujeitas a possíveis aventuras posteriores), a acontecer de diferentes modos narrativos, crescendo em volume, ampliando-se em grandes superfícies, ou incorporando a mancha de cor, juntando páginas, etc.
A pequena maqueta-escultura (50,9 cm na dimensão maior) é identificada como "elemento arquitectónico do projecto Aurora da Liberdade", produzido com um colectivo de arquitectos (AUZPROJEKT), e o projecto referido é apresentado perto de um "programa-colagem" panfletário e ilustrativo ("A bela aurora socialista"!?) somando sugestões utópicas e/ou ficcionais. Tudo e cada coisa pode ser lugar de passagem para outro estado, outro lugar.
...
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Dois artistas presentes (com outras obras) na Colecção de Dori e Amâncio/Pancho Guedes - e na exposição AS ÁFRICAS DE PANCHO GUEDES:
Álvaro Passos (com data de 1974):
e Rosa Passos:
datado de 1974, será o retrato de um casal brasileiro (que terá vindo a Lourenço Marques/Maputo para estarem presentes como modelos) e essa seria uma das linhas de produção da artista
As fotos, sem quaisquer indicações, são dos arquivos de Pancho Guedes
Álvaro Passos, n. 1934, Inhambane; f. 6 Novembro 2010, Portugal. Formou-se no Núcleo de Arte (Lourenço Marques) e fez a 1ª individual em 1962. Premiado em 1965 no Salão de Artes Plásticas das Festas da Cidade. Viveu e trabalhou em Portugal depois de 1975. Ver Wikipedia : Ganhou o Primeiro Prémio do Salão do Outono em 1981 na Galeria do Casino do Estoril
Rosa Passos, n. 1900 (25 Jan.), Porto; f. 1977 (3 Agosto) em Lisboa. Viveu em Lourenço Marques de 1919 a 1975, depois no Estoril. Interessada pelo trabalho do filho (Álvaro), começou a pintar aos 65 anos. Expôs no Salão de Arte Moderna, 1966, e obteve o Prémio de pintura e o Grande Prémio no Salão de Artes Plásticas de 1967. Expôs no Palácio Foz (SNI, Lisboa) em 1970 (a confirmar).
ver cat. Salão de Pintura "Naif", Galeria de Arte do Casino Estoril, Maio, 1980 (uma rep. na capa, lista de obras e nota biográfica)
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Tags: Rosa Passos, Álvaro Passos
Há mais de 15 anos que vou seguindo o trabalho do J.M.G.
Não é um aparição fulgurante como aqueles grandes artistas que desaparecem dois anos depois. A singularidade da obra confirmou-se em todos os encontros, mas só deparei com duas breves notas do EXPRESSO e rápidas referências em feiras e bienais ou balanços do ano (não sei se houve mais notas, ou se andei a correr atrás das tais novidades de desgaste instantâneo.
SANDRA QUADROS e JOSÉ MIGUEL GERVÁSIO, Moira, Lisboa - 16-12-95
Em último dia, ou talvez já encerrada (mas seria injusto que dela não ficasse alguma memória), uma mostra de dois jovens artistas das Belas Artes do Porto — S. Quadros (n. 1970, Angola) e J.M. Gervásio (n. 1968, Montijo) — que deram o título genérico de «Colagem» a trabalhos que são pintura, utilizando a colagem para fazer entrar no quadro imagens recortadas e reinventadas, confundindo sentidos originários como gesto de subversão, de humor e de reconstrução poética, que se prolonga ainda nas inscrições escritas e títulos de S.Q. Processos reutilizados com uma especial frescura e liberdade.
GERVÁSIO, Quadrado Azul, Porto, 9-02-2002
Duas séries de desenhos, um alinhamento de trabalhos a tinta-da-china e uma parede de folhas riscadas a carvão fazem regressar José Miguel Gervásio à gal. onde já antes mostrara pintura, construções escultóricas e uma instalação invasora da sua produção gráfica. Os títulos «UMP LIX» reservam-lhes um secreto sentido narrativo, que não se deixa decifrar em figuras e espaços paisagísticos identificáveis, embora elas e eles estejam presentes, metamorfoseados por um grafismo imaginativo e livre. O automatismo gestual conduzido pelos caminhos de uma fantasia sonhada aproximam-nos de algum surrealismo, mas à margem dos seus estereótipos. Este é um mundo pessoal. (Até dia 20)
A 1ª mostra vi-a na então Galeria Moira, da Moira Forjaz, na Praça das Flores.
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Arquivo, Expresso- A propósito da exposição de Serralves (Lourdes Castro e Manuel Zimbro) 1995. 1997. e 2003
MANUEL ZIMBRO, Liv. Assírio & Alvim, 11-03-95
Numa «disposição» de guaches sobre papel sobre mesas-vitrinas, M.Z. mostra «Torrões de terra» que se acompanham com a edição de um pequeno livro, em formato CD, de «notas de um lavrador para encontrar o céu e a terra». Existe aqui, nestas «imagens» e neste exercício escrito de atenção-reflexão sobre a vida, uma atitude de deliberado afastamento dos códigos habituais que regem as práticas da expressão plástica e literária. M.Z. pinta com meticulosa exactidão (?) torrões que pairam na folha branca como num céu, sem suporte nem direcção, e nos quais reconheceremos uma amálgama de terra, rocha, minerais, raízes e incrustrações de metais. «Não se trata — diz — de aprofundar uma observação, mas de estender o espírito até ao que está à frente/ deslocar o 'meu' centro, sem tensão e sem afrouxamento/ sem tirar conclusões». Exercício de atenção e de silêncio que se recusa a ser mais uma «visão 'privada' do mundo» e que deveremos ver sem propósitos de classificação e avaliação para também «estender o espírito até ao que está à frente».
25-03-95 Uma primeira exp. (aliás, disposição) tardia: exercício de imitação — torrões de terra pintados a guache — vivido como atenção e como fazer, como «atenção ao que se faz», e ainda como acto de reflexão que se prolonga na edição de um texto paralelo. Nas margens das práticas regulares da arte, questionando-as com rara eficácia.
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Manuel Zimbro, Porta 33, 29-8-97 (in, "Marcas permanentes" - Marca, Madeira)
«História Secreta da Aviação», acompanhada por um livro com o mesmo título, exibe desenhos a lápis e esculturas «aeromodeladas» (de materiais de aeromodelismo) que dão notável sequência aos «Torrões de Terra», os guaches vistos em 95 na Assírio & Alvim, em Lisboa. Mantendo na aparência da cópia uma radical excentricidade aos códigos da produção corrente («as "delicadezas artísticas", as "poéticas afectações"»), o desenho minucioso das sementes voadoras ou a sua construção em volume torna a atenção silenciosa ao natural um acto de vida, para além da observação e da réplica. É a suspensão do conceito e do sentimento que numa asa da semente do pinheiro sustenta essa outra dimensão da sensibilidade «que liga as mãos-cérebro-coração no nascente acto de fazer, ou de não-fazer», como escreve M. Zimbro.
7-06-2003
Manuel Zimbro, artista e divulgador do budismo zen, morreu no Funchal em 22 de Maio, vítima de cancro. Nascido em Lisboa em 1944, frequentara a Escola António Arroio e instalou-se em Paris no final dos anos 60. Na década seguinte começou a colaborar nos espectáculos de teatro de sombras de Lourdes Castro, criando novos dispositivos de iluminação e assumindo a co-autoria das obras As Cinco Estações, 1976-80, e Linha de Horizonte, 1981-85. Tendo passado a partilhar a vida da artista, foi também autor de diversos textos publicados nos seus catálogos, nomeadamente quando da sua retrospectiva, na Gulbenkian (Além da Sombra, em 1992) e da recente exposição no Museu de Serralves (Sombras à Volta de um Centro, 2003).Posted at 01:01 in artistas, Artistas Portugal, Exposições | Permalink | Comments (1) | TrackBack (0)
2010, "Um tapete voador, uma casa, uma pirâmide, um jardim japonês, uma colecção de grelhas e uma pedreira (e mais algumas coisas)", título geral da exp. da 111, 2ª individual em Lisboa *
Para acompanhar as naturezas mortas da Gulbenkian e prolongar o género ou a reflexão sobre o género até ao presente - os quadros mostrados na FG estão vivos e, aliás, as naturezas mortas, as coisas vistas e pintadas, são mais coisas inanimadas do que mortas - há que ir ver até dia 20, sábado, os desenhos e pinturas de João Francisco na galeria 111: já era certamente a mais importante exposição do início do ano e agora torna-se mais relevante ainda, com a associação à fantástica exposição que o Museu Gulbenkian nos traz ("Na Presença das Coisas" - título corrigido), e é, para ambas, uma mais-valia como agora se diz por tudo e nada.
www.111...joaofranciscolisboa/
Sem título - O Diorama, o/t, 160 x 180 cm. (1)
Pintura do natural, de observação, mas, acontecendo esta no atelier como é habitual na N-M, são também as construções e acumulações que importam e, entre outras coisas, a ironia com que são realizadas e pintadas, encenando e descrevendo um discurso visual que se abre a sucessivas pistas e sentidos (conteúdos, reflexões) vários - há artistas que se limitam as juntar as coisinhas encontradas, apropriadas, coleccionadas mas é uma prática preguiçosa: a recolha, a colecção, a montagem-encenação e a "transcrição" são aqui fundamentais.
Nunca se trata no caso de JF das coisas vistas/pintadas apenas por elas mesmas (mas também é isso, decerto), nem do exercício "puro" da representação, da sua veracidade ou verosimilhança (e aqui não há propriamente vontade de ilusão nem demonstração de virtuosismo - embora lá estejam), nem de "pintura só para os olhos", nem de "pintura face a ela própria"* (correspondendo por antecipação aos ditames da autonomia disciplinar do formalismo tardomoderno), etc. (* - referência ao útil artigo de Joaquim Caetano no Público de 12 de Fev.)
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2009: Exposição na Galeria 111, de 10 de Setembro a 7 de Novembro
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Escritos desde 1994
FÁTIMA MENDONÇA, Arte Periférica, Massamá
Expresso Cartaz de 17-09-1994
Cartaz Expresso 11 Jan. 1997
Arte Periférica, Dez. 1996 / Jan. 97
1998
Fátima Mendonça
Casa Fernando Pessoa - 14-02-98
Expresso Cartaz de 23-10-98
"Fátima, Joana, Sofia"
Três exposições de mulheres artistas põem em questão a ideia de pintura feminina
«Gosto da Minha Casinha 9», 1999
"Três artistas no Porto"
Expresso Cartrtaz de 27 de Novembro de 1999
CARLOS CARREIRO, Árvore (até 7 de Dezembro)
FÁTIMA MENDONÇA, Gal. Fernando Santos (até 31 Dez.)
PEDRO CABRITA REIS, Museu de Serralves (até 23 Jan.)
Carlos Carreiro dá às suas pinturas um título geral, «Dos Truques do Adamastor à Vingança dos Perus», que as situa de imediato no seu terreno habitual da celebração do imaginário, onde impera a fantasia, o humor e também algum comentário corrosivo. Com as novas obras, que, entre outras motivações pessoais, terão tido algum ponto de partida concertado com o calendário comemorativo dos Descobrimentos – lá estão, na tela maior que é referida na primeira metade do título geral, as caravelas e bandeiras pátrias, uma torre de Belém de barbatanas a tentar andar em direcções opostas, um Adamastor marionetista (seria imperdoável que este exemplo excepcional de «pintura de historia» no presente não tivesse destino institucional,... mas não podemos ter ilusões sobre os museus que temos) –, assiste-se a mais uma inflexão fortemente afirmativa do trajecto de pintor, prosseguido como um percurso original e solitário, marginal, se se usar o termo com sentido positivo face a valores correntes e dominantes.
A sua figuração luxuriante e minuciosa constroi-se como uma agregação interminável de personagens (históricos ou actuais, humanos ou animais) e de objectos (de consumo, máquinas e plantas, reais ou de fantasia – sem esquecer as metamorfoses entre personagens e objectos), em situações e lugares imbrincados num contexto narrativo absurdo e sem leituras unívocas. Em vários quadros, a acumulação de figuras e histórias organiza-se seguindo uma pista de flipper que pode transformar-se em estrada, filme ou intestino, numa sequência vertiginosa de invenções e citações (de estilos e de imagens, populares e eruditas), distribuída num espaço indefinível e labiríntico, ao mesmo tempo exterior e interior, de paisagem sonhada ou cartografia alucinada. Com barcos-vagens, carros-lulas, químicos e alquimistas, personagens de animação e BD, tigres gulosos, células invasoras, universos subterrâneos, flores e borboletas.
Reciclando com uma nova inventividade toda a obra anterior, a renovação de Carreiro passa agora pelo abandono da coloração fria da sua fase anterior, quase uniformemente azul com incrustações de objectos de cores «pop», na explosão de uma policromia com intensidades mais quentes, percorrida por estranhas constelações de pontos de luz. Talvez não seja impossível comparar a sua pintura à de Clovis Trouille, pintor maldito que os surrealistas anexaram em 1930 e é agora objecto de retrospectiva em Paris. Também inclassificável, Trouille associou a veia libertária a uma pintura de aparência académica, falsamente «naïf», em cenas eróticas de sentido anticlerical e antimilitarista; Carreiro serve-se livremente de todas as convenções antigas e modernas, passa do «kitsch» à ficção científica, e pratica o humor e a poesia com uma soberana ironia.
Fátima Mendonça estabelece com a série de telas «Gosto da Minha Casinha» um momento forte de continuidade e abertura no curso da sua pintura, identificada como a exploração mais ou menos ficcionada de um coerente imaginário pessoal de infância ou adolescência feminina, mas onde agora será talvez possível reconhecer a abordagem de outros tópicos ou tempos menos referenciáveis, sempre associados a um discurso narrativo supostamente autobiográfico que continua a surgir caligrafado sobre a tela.
É a paisagem – «simultaneamente, o mundo exterior e o mapa interior» (Ruth Rosengarten no catálogo) – que predomina na nova série, em obras em geral de grande e muito grande formato. Por duas vezes vista em panorâmicas sem linha de horizonte, focadas sobre campos estriados que marcam uma volumetria imaginária de colinas muito verdes (quatro linhas atravessam o quadro repetindo «errei»), ou de onde emergem plantas rapidamente esboçadas («minha flor») – noutro quadro um idêntico espalhamento distribui sapatos altos de mulher pelo espaço-campo quase liso da tela (mas a intervenção escrita refere couves e «o teu jardim»). Em mais duas telas a casinha do título é vista à distância, centrada entre árvores e montes, em imagens de um grafismo falsamente escolar imerso em manchas de cores doces e «ingénuas». Mas o mundo pode ser também cruel e incendiado (os coelhos embrulhados, a floresta em chamas).
Usando o óleo em barra para desenhar e colorir, ou o óleo muito diluído em manchas de ténues transparências, Fátima Mendonça oferece com ironia, desde o título, as pistas da leitura psicanalítica de que pode precisar-se para «explicar» a sua pintura. Mas os quadros sustentam com notório êxito uma visibilidade menos literária e redutora: eles inventam novas paisagens, contam histórias visuais, deslumbram e inquietam.
Pedro Cabrita Reis é objecto de uma antologia que estabelece a exacta sucessão desde a mostra do CAM, em 94, retomando três obras então expostas (colecção de Serralves ou aí em depósito) e acrescentando informação sobre um itinerário posterior que foi pouco visto em Portugal e contou com participações nas Bienais de Veneza e São Paulo, fora das representações oficiais portuguesas.
Quatro lugares decisivos marcam a montagem: uma construção no pátio de acesso ao Museu, cuja longa parede articulada e encimada por guaritas, recoberta por tela metalizada de alcatrão – Cidades Cegas # 5 / o Eco –, é associável a memórias de campos de concentração (Auschwitz, muro de Berlim, talvez os condomínios privados do presente); já na sala central, Sem Título, uma outra guarita com um mastro de bandeira derrubado e um feixe de lâmpadas de néon; depois, o corredor interior do Museu percorre-se entre construções de alumínio e cartão, elevadas e adossadas às paredes, lembrando habitações precárias ou também postos de vigilância (Cidades Cegas # 2); por fim, Catedral # 3, intervenção na grande galeria final do percurso que rasga as paredes brancas de Siza com o início de quatro outras paredes de tijolo só precariamente aparelhadas.
Concebidas ou readaptadas em função do espaço físico onde se mostram, são também peças arquitectónicas em si mesmo, como quase desde o início sucedeu com a escultura de Cabrita Reis. Porém, enquanto as peças anteriores faziam referência a modelos arquetípicos (poço, fonte, canal, mesa, casa) ou se viam como construções enigmáticas (lugares de concentração de energias, de observação cósmica, etc), as novas arquitecturas podem ver-se como comentários sobre a cidade actual, evocando lugares concentracionários ou de vigilância, ao mesmo tempo que se referem, especialmente através dos materiais empregues e das soluções construtivas (tijolo, cartão usado e tábuas, caixilharia, etc), às arquitecturas improvisadas das marquises e dos bairros de lata. São obras que ocupam com grande força cenográfica os lugares de exposição, respondendo de modo afirmativo (enfático, por vezes) às solicitações das grandes mostras internacionais onde imperam as montagens «in situ», as estratégias instaladoras e a grande escala dos objectos, até como condição de visibilidade, ao mesmo tempo que parecem assumir uma dimensão crítica sobre o estado do mundo, com referências à pobreza, exclusão e repressão.
Entretanto, a antologia dá também largo espaço ao que pode continuar a chamar-se pintura, embora se deva notar que a pintura actual de Cabrita Reis transporta igualmente poderosos vínculos com a arquitectura, desde logo pelo uso pictural de materiais ou equipamentos de construção. Dobles Pinturas Negras #2 e #4 (Madrid), de 98, serão mais uma contribuição para a linhagem do monócromo, em dípticos de placas de vidro, rectângulos ou círculos, onde a aplicação de pintura negra se faz, em cada elemento, sobre ou sob a superfície do suporte – elas decorrem da apropriação de caixilhos de portas encontrados e da montagem de vidros com aplicação de esmalte dos Lisbon Gates mostrados no CCB em 97 («For Heinner Muller»). Cabinet d'amateur #1 (Serralves) é uma disposição de inúmeros dípticos formados por campos de cor lisa, onde é a cenografia que volta a sustentar a eficácia das partes. Sempre com uma energia reconhecidamente intensa, com uma elegância certa, as últimas obras (vejam-se a grande porta de Table Dance e a pintura Flor Negra, em confronto com a menoridade de «Os Últimos», pequenos auto-retratos desenhados) estão às vezes à beira da facilidade retórica e de um uso defensivo das grandes escalas.
Nota: Chegam este fim de semana ao seu termo as exposições de António Júlio Duarte e Augusto Alves da Silva, de fotografia e vídeo, apresentadas pelo Centro Português de Fotografia na Cadeia da Relação; referidas em artigo anterior, são outros dois grandes momento do programa expositivo do Porto, que parece impor-se já como capital cultural. Assine-se, entretanto, a saída do livro Peepshow, de A. J. Duarte, que se impõe como uma das melhores edições do CPF.
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24 Novembro 2001
Prémio Maluda para Fátima Mendonça
Na terceira edição do prémio anual de pintura atribuído a uma jovem artista
Os bolos-filhos surgem bem reais como pães comestíveis numa instalação-montra e também em vários grandes desenhos a pastel de óleo, saindo de uma grande forma de bolos que se prolonga em vestido de menina (a mesma rede circular, prisão, casulo e ventre) visto pendurado num cabide ou, noutro caso, desajeitadamente envergado («o vestido do inferno») - e aí, decifrando as garatujas e percorrendo os escritos, vêem-se sexos femininos, «as minhas vergonhas» de outros quadros, urinando para o ar («como um rapaz»). Não estamos na cozinha, de facto, mas na vida, a enfrentar o mundo com terrores e desejos, escavando a memória entre o exorcismo e a ironia.
«Deixar que este universo mental tenha uma vida visual, que encarne uma turbulência que não se limite a desenvolver um relato literário ou memorial é o desafio permanente desta obra em cada momento que ela se revela», escreve Celso Martins no seu prefácio para o catálogo. Desafio vencido. A narrativa não se substitui ao que está a acontecer sobre a tela ou o papel, fixada antes de surgirem (como sucede na ilustração e na pintura literária) os desenhos pintados com a urgência aqui visível das suas grandes pinceladas negras e das manchas invasoras, de vermelho-sangue: o que importa passa-se à nossa frente, no espaço branco do suporte, como um desafio oferecido à nossa própria capacidade de imaginar. É o impacto visual de cada obra, tantas vezes com a violência do grito, que nos faz precisar de um fio narrativo que «explique» o que vemos, obrigando-nos, para segurança nossa, a decifrar as anotações escritas ou rasuradas, a reconhecer personagens e a inscrevê-las na «estória» já longa da obra de Fátima Mendonça, que não importa se é ou não a sua história pessoal, íntima. Como acontece com Louise Bourgeois (a mãe-aranha, a oficina doméstica de restauro de tapeçarias, o quarto-cela) e com Paula Rego, por exemplo, mas os exemplos seriam quase todos femininos, o teatro do mundo está muito próximo da vida, a arte conduz-nos por abismos e sonhos reais, tão fundos que raramente os podemos ver.
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Tags: Carlos Carreiro, Fátima Mendonça, Joana Rosa, Pedro Cabrita Reis, Sofia Areal
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Tags: Maria Beatriz
TEXTOS EM ARQUIVO, 2006, 2003, 2001, a propósito opu por ocasião da exp. de João Queiroz na Gal. Quadrado Azul, Lisboa - Até dia 20: www.quadradoazul.pt
EXPRESSO Actual de 17-06-2006
"A experiência da natureza"
Prática e interrogação da pintura de paisagem
Sem título, 2005-2006, óleo sobre tela, 190 x 250 cm
A paisagem teve uma importância fulcral na pintura do século XIX, em duas direcções em parte coincidentes: por um lado, a exploração sistemática do mundo, associando o inventário dos lugares, a comunhão romântica com a natureza e o exotismo das viagens; por outro, o trânsito da observação do natural e da pintura realista de ar livre, enquanto estudo apaixonado da natureza, à ambição da «pintura pura», que se irá entender como projecto analítico ou sistema autónomo e auto-referencial. No seguinte século não houve linhas de continuidade reconhecíveis como evolução de um género, mas o corte cronológico não tem a arbitrariedade do calendário, porque «fauves», expressionistas e cubistas continuavam a reinventar a paisagem. O espectáculo das trincheiras da Grande Guerra, essas outras paisagens de morte radicalmente inéditas, terá tido retrospectivamente uma decisiva influência no que se chamou crise da representação (com outras referências, o historiador Yve-Alain Blois dirá que «o luto tem sido a actividade da pintura ao longo do século»).
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Tags: João Queiroz
Com a primeira obra exposta entra-se no museu, ou numa galeria (é o cubo branco) que de imediato se quer confrontar com o museu, porque as obras primas do passado são directamente convocadas, flutuando num espaço múltiplo, ilusório e material, o plano branco da tela onde se definem vários cenários (as cimaises ou paredes de exposição), e é com elas, as obras do passado, que o pintor desde logo se mede. Vermeer, Velazquez, Cézanne, etc.
Síndrome – guache e acrílico s/ papel, 116,4x152cm (2008)
Os visitantes do museu estão por terra, tombados, e também um burro. Nada é por acaso, mas também não é de fácil interpretação, a qual dependerá da disponibilidade para ir percorrendo as pistas oferecidas e encontradas.
É logo a seguir que deparamos com The murder of Alex Katz
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Tags: Gal. Carlos Carvalho, Ricardo Angélico
Arquivo (e era um trabalho muito diferente em 2003 do que é em 2008, mas o mesmo)
Expresso Actual - 12-07-2003
"Matéria viva"
Uma pintura com força para voltar a perturbar ("R.A.
faz da pintura um exercício resolutamente destituído de amabilidade e
certamente também por isso pinta monstros e vísceras. Se tais figuras
parecem agressivamente estranhas é porque à pintura se foi proibindo
que incomodasse")
Ricardo Angélico, Galeria Ara, Lisboa (até dia 25)
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2008, "O Arqueólogo amador (e outras naturezas mortas)"
isto é uma pintura do estreante João Francisco:
"Sem título - Tempestade em Trouville - para E. Boudin", 2008, óleo sobre tela, 160x180 cm
e é do melhor que por aí se mostra (como se mostram de preferência - por que será? - coisas muito más, não é dizer muito).
Está na 111, a par do regresso de Rui Serra - professor e ex-aluno, dir-se-á.
Anda tudo à volta da natureza-morta, das coisas vistas e da sua representação : "O Arqueólogo amador (e outras naturezas mortas)" é o título geral:
objectos ou fragmentos de objectos, coisas, acumulações e disposições ordenadas, representações de objectos e de imagens (o quadro dentro do quadro), referências e citações da história da pintura: obviamente Morandi, mas muito mais
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Uma brevíssima nota de 2006, a propósito de uma exposição a não perder no Centro Cultural de Cascais
Expresso, Actual de 28-10-2006
Ivo
«Segunda Colina», Convento das Mónicas
POR ONDE andou o mais discreto dos homeostéticos, de quem se disse ser o mais pintor do grupo? De entre lugares periféricos e desatenções críticas surge um corpo de trabalho que se exibe como exploração simultânea de vários itinerários só na aparência muito diferentes entre si, em pares de peças de formatos diversos e subtil unidade. Os mapas (que se prolongam numa mostra de papéis na Giefarte), os alvos ou bandeiras, as paisagens panorâmicas ou os cortes verticais de estratos sobrepostos fazem da pintura de Ivo um universo experimental intimamente habitado e oferecido a uma comunicação plural. Com catálogo e um texto atento de Carlos Augusto Ribeiro. (até 4 Nov.)
Deriva dos continentes, a/t, 2004/05, 130 x 162 cm
Agora (depois de "Segunda Colina" ter estado em Tavira em 2007), uma antologia de trabalhos desde 2000, apresentados de novo pelos Artistas Unidos, em Cascais, até 25 de Maio.
Catálogo com textos de Jorge Silva Melo e do próprio Ivo Pereira da Silva
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Tags: Artistas Unidos, Ivo, Jorge Silva Melo
Nature morte 1993 (200x150x160 cm) - à mesa, Yves Gastou. Prémio de Mosaico 1992, atribuído pela ENSBA Paris
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Mónica Machado, Sílvia Hestnes Ferreira, Sandra Quadros, Marta Seixas
Expresso, Cartaz, 9-Nov.-96
"Mónica, Sílvia, Sandra, Marta, etc..."
"A fórmula da bienal-concurso é posta em causa, mas o panorama é favorável às revelações"
2ª BIENAL AIP
Europarque, Santa Maria da Feira
O que é hoje um salão? A fórmula oitocentista do concurso tutelado
pelos juris académico-corporativos está definitivamente morta,
substituída pelas selecções comissariadas? Ou, depois da relativa
importância que tiveram as bienais de Lagos e de Cerveira ou os salões
da SNBA, ainda ao longo da década de 80, o actual desprestígio dos
concursos faz parte de um mesmo fenómeno de fragilização de todo o
sistema de ensino, mercado, acção institucional e legitimação crítica
que marca a arte contemporânea?
A 2ª Bienal de Arte da Associação Industrial Portuense, excêntrica
mesmo em relação ao Porto e insuficientemente promovida, é um
contributo significativo para repensar o tema, ainda que a sua fórmula
já não seja exactamente a de um salão.
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Expresso Cartaz 12-04-97, pp 14-15
"Memória e imaginário do objecto quotidiano" <Uff!!>
"Uma jovem escultora portuguesa de Paris, Mónica Machado, inventa a escultura-mosaico: o objecto comum e o lixo encontram uma nova vida"
Bienal Arte Jovem, Fórum Maia
MÓNICA Machado foi, até há pouco tempo, apenas o nome de uma artista
portuguesa de formação parisiense que se sabia ter sido premiada no
Salon de Montrouge (um «salão» anual de jovens artistas na periferia de
Paris) e feito uma primeira exposição com apresentação de Yves Michaud
(filósofo e crítico, director da Escola Superior de Belas Artes de
Paris, onde M.M. se diplomou em 92 e de onde ele se demitiu em 95).
Depois, a uma pouco vista 2ª Bienal da AIP, em Outubro, em Santa Maria
da Feira, Mónica Machado trouxe duas obras, um grande e inquietante
carrinho de bebé — Le Landau (Salomé Dolores) — e um corpo feminino que
se abria no desvendar do seu interior — O Ovo (Petite Anatomie du
Désir). Nos seus barrocos revestimentos de cerâmica e na montagem
obsessiva de objectos e fragmentos, animados com movimentos mecânicos,
som e luz própria, eram sedutoras e repulsivas «máquinas delirantes», insólitas esculturas de invenção original e carregadas de memórias artísticas.
A emoção dessa descoberta, proporcionada pela
selecção do crítico Carlos França, levou a apontá-la aqui como a mais
forte revelação de 1996.
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Tags: Bienal da Maia, Carlos França, Mónica Machado, Yves Michaud
Artista e comissário
Expresso Cartaz (Actual) 21-04-00
RUI SANCHES vai apresentar uma exposição de esculturas e desenhos no Pavilhão Branco do Museu da Cidade e, pouco depois, organizará a montagem de uma escolha pessoal de obras da Colecção Berardo no Sintra Museu de Arte Moderna. A segunda exposição, que estará associada à aquisição e instalação neste museu de uma sua escultura de grandes dimensões, dará origem à publicação do livro Um Olhar sobre a Colecção Berardo, que vai inaugurar uma nova colecção de pequenos livros de autor, os «Cadernos do Museu».
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Expresso Actual dee 7/4/2001
"Razão e excesso"
A homenagem prestada a Nadir Afonso não é ainda uma retrospectiva organizada com rigor crítico
NADIR AFONSO, Centro Cultural de Cascais. Até 6 Maio
A uma homenagem, como a que o Centro Cultural de Cascais presta a um dos seus munícipes, não se pede o rigor científico de uma retrospectiva, mas Nadir Afonso, que já ultrapassou os 80 anos, ganharia em fazer passar a sua obra pelo crivo de uma exposição crítica, no sentido que têm as edições críticas nos domínios da escrita.
O seu nome é sempre citado quando se recordam as Exposições Independentes, no Porto dos anos 40, e a sua obra de pintor é uma referência na afirmação do abstraccionismo geométrico em Portugal, ao lado do pioneiro Fernando Lanhas, outro «independente». No entanto, para além de algumas pinturas isoladas que todas as sínteses históricas reproduzem, expostas no CAM, em representações nacionais e outras abordagens panorâmicas, a carreira de Nadir continua a ser mal conhecida. Uma primeira retrospectiva foi-lhe dedicada em 1970 pela Gulbenkian, em Paris e Lisboa, mas a generalidade das obras reproduzidas no catálogo datam da década anterior, deixando o percurso prévio por estudar. Também não tiveram rigor crítico quer a retrospectiva apresentada em 93 na sua cidade natal, Chaves, quer a monografia editada em 98 por Livros Horizonte. Aí se foram revelando algumas obras esquecidas ou inéditas, mas sempre sem enquadramento histórico e apenas acompanhadas por textos do próprio artista.
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1. Expresso Cartaz de 24/11/2001, pp. 32-33
"A cidade de Júlio Resende"
Da retrospectiva em Matosinhos à Fundação do pintor em Valongo (à margem da capital cultural)
JÚLIO RESENDE, Paços do Concelho de Matosinhos (até 20 Dez.)
FRANCISCO BRENNAND, «No Acerto com o Mundo» (Fundação Júlio Resende, Valbom, Gondomar, até 2 Dez.)
O panorama do Porto, como qualquer panorama, é feito de diferentes e desencontrados círculos, meios ou nichos do pequeno mundo da arte, mas é alargando os itinerários até à periferia que a cidade de Manuel de Oliveira, de Eugénio de Andrade, de Agustina e de Siza Vieira se reencontra com outro dos seus nomes, Júlio Resende. Esta área alimenta-se mais facilmente (mais oficialmente) de esquecimentos ou exclusões do que outras.
É em Matosinhos, por iniciativa da sua Câmara, que se pode ver, neste ano de particular significado para o Porto, a obra do principal dos seus pintores. A homenagem necessária tomou a forma de uma ampla retrospectiva da pintura de Resende, embora na sua muito extensa produção, material e cronologicamente, tenham também relevância o desenho e a aguarela e, em especial, a grande decoração instalada em lugares públicos, com largo recurso à cerâmica (objecto de uma mostra do Museu do Azulejo em 1998).
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Expresso Cartaz de 21/4/2001, pp. 28-29
Sonhei que sabia tudo
As perguntas, os deslumbramentos, os sonhos e os quadros de Fernando Lanhas
Na sala central do Museu de Serralves, as últimas pinturas de Lanhas, já de 1998-2000, coexistem com vitrinas de trilobites e meteoritos. Numa parede, lê-se: «Sonhei esta noite com trilobites vivas. (…) Em certo momento vi uma trilobite grande, de cor dourada, que estava mutilada nas pleuras. Peguei na trilobite sem qualquer receio, para a ajudar. Era uma trilobite muito sossegada e meiga. As crianças até lhe faziam festas.», S322A (sonho 322), 16-17.XII.92. Dois mapas assinalam os principais meteoros e meteoritos caídos em Portugal e a trajectória de um meteoro observado em 1984.
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A Maria Beatriz já tem um site, com imagens dos seus trabalhos e listas de exposições. A Holanda fica mais perto.
Está aqui: mariabeatriz . E ainda irá ser aperfeiçoado (espero que com algumas imagens em livre acesso).
Postal com auto-retrato, s/d (no verso: druk Stetyco © Asselijn Amsterdam)
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Expresso/Cartaz de 25-1-97 (Actual)
Morreu no passado sábado, com 84 anos, o pintor Joaquim Rodrigo. Nascera em Lisboa, em 1912, e foi agronómo de formação e profissão, durante cerca de 40 anos. No início dos anos 50 começou a dedicar-se à pintura como amador, expondo logo regularmente nos salões da Sociedade Nacional de Belas Artes /EGAP/, e prosseguiu até data recente, com uma última mostra individual em 1994, uma carreira sempre reconhecida pela generalidade da crítica nacional.
Efectivamente, a obra do pintor Joaquim Rodrigo esteve associada em três momentos sucessivos a situações conjunturais de revisão de orientações críticas ou foi considerada como representativa de novos entendimentos formais e estéticos.
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"História e ficção"
Seis artistas no centro de uma década prodigiosa
EXPRESSO/Actual de 01-05-04
O grupo homeostético chega ao contacto com o «grande público» cerca de 20 anos depois do desenrolar das suas actividades, mas as obras e o seu espírito não ganharam uma ruga. Sob esse nome reuniram-se seis artistas: Pedro Proença, Manuel João Vieira, Pedro Portugal, Xana, Ivo e Fernando Brito. Nascidos entre 1958 e 1963, frequentaram a Escola de Belas Artes de Lisboa na primeira metade dos anos 80 e realizaram cinco exposições de grupo - duas na Escola (1983), uma em Portimão e outra em Coimbra (1984 e 86) e a última na SNBA (1986), a única que teve alargada visibilidade, em parte graças ao braço musical homeostético, os Ena Pá 2000, de M. J. Vieira. Intitularam-na «Continentes», em resposta ao «Arquipélago» exposto no ano anterior, no mesmo local, por Calapez, Croft, Cabrita Reis, Rui Sanches, Rosa Carvalho e Ana Léon (todos mais velhos, mas de afirmação mais lenta), e aí exibiram cinco quadros de 10 metros e grandes esculturas pintadas, ocupando-se cada um da sua parte do globo.
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A exposição "Dog's Sleep" na Sala do Veado (9-31 Maio):
"O excesso necessário"
in EXPRESSO/Actual de 5 Maio 2007
Fomos deixando de saber que a pintura é também um meio de contar histórias, e cada vez que o descobrimos - tem de ser sempre de maneira diferente - o escândalo é maior. É essencial que por esse contar histórias se entenda algo de diferente da ilustração, por mais que se preze a prática do ilustrador que verte em imagens, à sua maneira, a ficção escrita, em geral por outrem. É essencial que as histórias que se contam, as personagens que se constroem, os fantasmas e as fantasias que se soltam cresçam da realidade material da pintura, inscritas no seu fazer, sem que a tradução por palavras (prévia ou posterior) esgote os sinais visuais e sem que os seus sentidos possíveis se congelem numa narrativa estabilizada.
Sara Maia, "O Colo"
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(Dominguez Alvarez volta agora a expor-se no Porto, na Fundação Cupertino de Miranda: "ALVAREZ - Sinais do Modernismo no Porto - anos 30", até 16 de Nov. Em 2006, a Gulbenkian tinha assinalado o centenário do nascimento)
Duas páginas do "Actual" / Expresso de 27 de Maio 2006
FOTO
"Adega do Galo" (1930) e «Vista dos Clérigos, Porto», 1932 (col. particular), uma obra de grande formato até agora desconhecida e que vem alterar as anteriores hipóteses sobre a sequência dos estilos de Alvarez
1. O novo Alvarez
A retrospectiva do centenário abre novas perspectivas sobre a obra e a vida do pintor
O centenário do nascimento de Dominguez Alvarez (1906-1942) poderia ser só um acto comemorativo, de revisitação de obras escolhidas que recordassem a singularidade deste pintor do Porto, pouco conhecido em Lisboa, apesar do lugar fixo no Museu do CAM e da retrospectiva levada a cabo em 1987. É, afinal, uma exposição com surpresas, que dá acesso a documentos em primeira mão ou inéditos, e abre pistas para desconstruir os mitos em que o artista foi envolvido.
Nos sete espaços da galeria subterrânea da Gulbenkian, a mostra organizada por Ana Vasconcelos e Melo (conservadora do CAM) e Emília Ferreira (investigadora da Casa da Cerca, de Almada) inicia-se com alguns dos motivos iconográficos que mais marcaram a estranheza do pintor: ruas pobres e tascas do Porto, figuras à chuva e cenas de enterro e cemitério (de 1929-30) completadas com o vulto insólito do Homem da Cartola (1934). Está muito perto a arte vernácula dos pintores de tabuletas, ex-votos e quadros de taberna, o que levou os críticos a falarem de um artista ingénuo ou «naïf», quando os exercícios calculados de simplificação e primitivismo, de via popular ou informação histórica, atravessam tantas situações dos anos 20/30 (os italianos Carrá e Sironi, por exemplo). O tempo era de crise dos formalismos, na procura de legibilidade à margem dos gostos académicos e de aproximações entre o quotidiano e as tradições mais ou menos locais.
Seguem-se outros dois núcleos portuenses, começando pela instrutiva vizinhança entre uma possível angústia metafísica ou expressionismo e um evidente humor, os quais se ilustram, primeiro, nas máscaras e «homens tortos» e, logo adiante, nas pseudo-experiências cubistas (com a Taverna Russa, de 1929, a referir distantes vanguardas). As vistas do Porto, também com um núcleo de fábricas, podem ser em geral rudes, sintéticas, sujas e ásperas, mas note-se como se multiplicam os estudos e variações com diferentes ensaios de perspectivas, de cromatismos e de pincelada, a evidenciar uma prática calculada e estudiosa.
É o que se reforça de imediato com as mais antigas tabuinhas verticais de intenso e quente colorido (1928), a lembrar outras vistas de Pousão. E surge logo, a baralhar as cronologias tidas por consensuais, a surpresa absoluta da vista da torre dos Clérigos, de 1932, numa grande pintura exacta, fotográfica, de imensa segurança espacial nos seus tons cinzentos - Alvarez incluiu-a num projecto de exposição de arte galega em 1934 e mostrou-a na sua individual de 36 (n.º 1, por 4500$00, preço três ou quatro vezes superior às restantes obras).
É sempre fácil atribui-la a um compromisso escolar, para manter a ambição de separar a curta obra de Alvarez entre um primeiro tempo de sinceridade ingénua (a gosto dos poetas da «Presença») e, depois de 36-37, um período dito de «desistência» feito de paisagens convencionais. Essa é a perspectiva conveniente para aplicar a cartilha modernista em vez de se verem as obras, já que a multiplicidade de experiências e de estilos (a insinceridade moderna, mesmo sem heterónimos) está sempre presente.
Os dois núcleos seguintes preenchem-se com vistas da Galiza (Compostela, Pontevedra, etc. - repare-se nos múltiplos ensaios sobre as tradicionais arcadas, diversamente sintéticas e «tortas») e depois de Castela (Segóvia, Toledo, etc.), juntando-se aqui as simplificações topográficas às cenografias mais ou menos oníricas, com céus tempestuosos sobre casarios que referem Ignacio Zuloaga e Greco. O capítulo é extenso e completa-se com os três vultos isolados do Homem Compostelano, O Bispo e D. Quixote.
Depois, ainda mais paisagens (e muitas aguarelas de grande vivacidade de observação), que em geral serão já do tempo final do pintor. Mais localizadas ou mais abstractas, rudemente esquematizadas ou de um pitoresco mais tradicional e amável, mas sempre visíveis como experiências muito variadas de pintura, na aspereza matérica, nas transparências atmosféricas e nos verdes e cinzas húmidos, na intenção descritiva de lugares. Haverá compromissos de mercado e de carreira académica, mas pesam mais as cegueiras críticas que classificaram demasiadas coisas diferentes como tardo-naturalismo.
A obra fica ao dispor de novas interpretações, e os cadernos de estudos (expostos e projectados) darão mais pistas sobre datas e processos de trabalho. Entretanto, é tempo de pôr de parte as versões correntes sobre a pobreza familiar (vejam-se a casa burguesa da Rua da Vigorosa e os álbuns de recortes), sobre o isolamento social e o não reconhecimento em vida, ou sobre a falta de dotes intelectuais e informação. As comissárias fizeram a opção corajosa de pôr em destaque a evocação (decerto também exagerada) do amigo Sérgio Augusto Vieira: «Culto como raros, senhor do seu papel e seguro na sua técnica, cedo começou a exprimir o que valia (...) Alvarez não pintava só. Discutia, com simplicidade, com naturalidade sobre arte. Muito lido, muito versado, tudo conhecia dos artistas até dos mais apagados» («Democracia do Sul», 1942). E a referência a «um homem absolutamente tranquilo, modesto de intenções, simples», foi confirmada por Guilherme de Castilho: «Não só não havia nenhuma excentricidade na sua pessoa ou no trajar, como tudo nele o assimilava a um modesto comerciante da Rua do Almada ou a um dono de mercearia em Cedofeita». Alvarez foi mais uma história trágica (como Pousão e Amadeo), mas é preciso arrancá-lo aos mitos das leituras tardias para o confrontar com as obras e as fontes em primeira mão.
Dominguez Alvarez
«770, Rua da Vigorosa, Porto»
Fundação Gulbenkian, até 15 de Outubro 2006
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2. À procura de um pintor espanhol
As relações com a Galiza e, em geral, com Espanha foram decisivas para Alvarez
FOTO: «Segóvia», sem data (1932?), uma paisagem com influência de Ignazio Zuloaga e El Greco
Marginal, solitário e isolado, além de ingénuo (ou «naïf»), são palavras-chave das interpretações habituais da obra de Alvarez. O mito construiu-se também com as alegações de que era pobre e inculto. O antropólogo António Medeiros refere no catálogo que a avaliação do seu meio familiar reflecte os «estereótipos mais negativos com que em Portugal se estigmatizaram os imigrantes oriundos da Galiza». Também adianta a hipótese de o entendimento crítico da obra de Alvarez ter ficado moldado pela interrupção dos fluxos culturais na península, forçada pelos dois regimes autoritários.
Reduzem-se a marginalidade e o isolamento - mas não a originalidade - se se reconhecer que se trata de um pintor espanhol (galego), que trabalhou quase exclusivamente com referências e influências de Espanha, e, pelo menos até ao deflagrar da Guerra Civil, com a provável ambição de se medir com a história e a contemporaneidade espanholas. Por isso ele se considerava o maior paisagista da Península.
Nunca se prestou suficiente crédito ao facto de no seu tempo (até 1936, pelo menos) Alvarez ser sempre classificado como pintor galego - embora na Galiza o referissem como português -, e de só naquela data ter requerido a nacionalidade portuguesa, para evitar, aos 30 anos, um possível recrutamento militar. É legítimo acreditar que, uma vez fechado o acesso a Espanha, tivesse aceite a fatalidade de um destino português e preparado o futuro como professor na Escola de Belas Artes, que a morte em 1942 não deixou concretizar. A Guerra Civil interrompeu a renovação da pintura galega (ou de origem galega) com os exílios de Castelao, Arturo Souto, Manuel Colmeiro, Luis Seoane e Maruja Mallo. Pode-se-lhes acrescentar o exílio de Alvarez no Porto.
Também nunca se atribuiu suficiente importância aos seus esforços para trazer ao Porto, em 1934, uma exposição de arte galega, na qual ele se incluía e que defendeu nas páginas de «Jornal de Notícias», com grande destaque gráfico, mobilizando outras colaborações tão significativas como a de Aarão de Lacerda, director da Escola de Belas Artes, onde era um eterno estudante (de 1926 a 1940), devido à tuberculose e às ausências por Espanha. Estava-se então em plena afirmação do nacionalismo galego, acelerado com a República, desde 31, e ferozmente reprimido depois (entretanto, não houve exposição, mas Castelao e Vicente Risco vieram ao Porto). Alvarez relacionou-se com meios culturais galegos, procurou fazer a ponte com círculos portugueses, mas, o que também é significativo, alargou os horizontes à diversidade da paisagem espanhola.
Se não bastar o estudo da obra informado pelo conhecimento dos seus contemporâneos (alguns só recentemente desocultados), a peça que faltava para confirmar a relação visceral de Alvarez com a pintura espanhola está exposta sob forma escrita, no original da mão do pintor e em transcrição. É um documento inédito e decisivo, mesmo se as autobiografias se lêem com máxima cautela. Será datado do final de 1936, já que refere a exposição de arte espanhola contemporânea realizada esse ano em Paris, onde se reuniram regionalistas, renovadores e vanguardistas emigrados, no quadro a várias velocidades da cultura artística da República.
Nesse texto (ver caixa) são determinantes as referências a Regoyos (o pós-impressionista de principal carreira belga, amigo de James Ensor) e a Zuloaga - por sinal, são os dois intérpretes da «Espanha Negra» -, e também a Solana, que vivia o auge da sua projecção interna e internacional: teve 15 pinturas no pavilhão republicano da Exposição de Paris de 37, ao lado da Guernica e de Calder, mas a adesão a Franco em 39 prejudicaria a futura memória duma obra alheia à história dos formalismos modernos (faça-se também a aproximação com Paula Rego).
A generalidade dos mestres estudados por Alvarez corresponde a vultos históricos da difícil modernização interior, predominando as figuras identificadas com a geração de 98 (não aparece o outro nome maior, Sorolla, representante da Espanha solar). António Trinidad Muñoz, que tem no catálogo um estudo formal da obra de Alvarez, já publicou em 1999 um interessante artigo em que o considera «um pintor na órbita da estética ‘noventayochista’». Mas isso significaria situá-lo fora do seu tempo, com o atraso de uma geração.
O que muito importará investigar são os cruzamentos de Dominguez Alvarez com a particular situação regional e de renovação galega, sob o controvertido ascendente de Castelao e desde a importação do título «Máis Alá!», de 1922, manifesto literário de um conflito geracional idêntico ao do «+ além» de 29, no Porto. Com dois pólos temporalmente contraditórios, no gosto por paisagismos regionalistas que se afastam de vertentes anedóticas e «costumbristas» mas cujos estudos da luz local seguem linhas pós-impressionistas ou continuam academismos (como o pintor Manuel Abelenda), e, por outro lado, na proximidade expressionista do galeguismo militante da «Xeracion» de 30, os «Novos» (Maside, Laxeiro, etc.), que também se exprime por formas vindas da cultura popular e de raiz primitivista. Alvarez parece fazer o caminho inverso aos artistas da sua geração.
Ainda no âmbito do calendário desta grande exposição, seria decisivo encontrar interlocutores espanhóis capazes de alargar as interpretações de Alvarez e de situar com maior rigor as suas origens e o sentido possível da sua produção. Não falta matéria para um colóquio peninsular (como é habitual fazer «lá fora» em programas retrospectivos deste tipo), antes de tentar mostrar Alvarez no outro lado da fronteira, pela primeira vez.
3. Notas para uma autobiografia
«1920-1922, primeiros desenhos, primeiros ensaios.
1927-1928, primeiros quadros; pinta muito na Galiza, em Pontevedra, Redondela, Santiago de Compostela, Coruña.
1929-1930, apresenta no Porto as primeiras telas de Espanha. Continua todos os anos a pintar em Espanha.
Em 1932 percorre a Espanha, onde recolhe uma série de quadros e uma série grande de estudos; ao mesmo tempo estuda os grandes mestres antigos da Espanha, Velázquez, Greco, Goya. Estuda a seguir pintura galega e os seus mestres, com alguns dos quais convive, Mariano Tito Vázquez (1870-1952), o pai do movimento renascentista da arte galega, Juan Luis Lopez (1894-1984), seu discípulo, um dos maiores pintores galegos, Carlos Maside (1897-1958), Seijo Rubio (1881-1970).
Estuda a pintura Asturiana e Vasca nas obras dos grandes pintores Evaristo Valle (1873-1951), Nicanor Piñole (1878-1978), Iturrino (1864-1924), Arteta (1879-1940), e por último os grandes pintores catalães Rusiñol (1861-1931), Mir (1873-1940), Nicolás Raurich (1872-1945), Eliseu Meifrèn (1859-1940).
De todo o movimento da pintura espanhola moderna, os pintores que mais me impressionaram foram Darío de Regoyos (1857-1913), o grande pintor vasco-asturiano já falecido e grande iniciador da pintura de paisagem em Espanha; Zuloaga (1870-1945), um barroco herdeiro do Greco e que interpreta os temas ásperos da Espanha feudal e histórica, e Gutiérrez Solana (1886-1945), o pintor áspero e sombrio, de luzes sinistras. (...)»
Documento inédito (col. particular). Alterou-se a pontuação e acrescentaram-se datas aos nomes dos artistas citados.
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