Em que jornal podemos acompanhar a situação oferecida pela CML ao coleccionador de livros comprovadamente mitómano e mentiroso que foi bem denunciado pelo António Guerreiro (1) no Público/ Ípsilon a 18 de setembro?
Onde podemos seguir o escândalo da aprovação (ratificação, aliás) do Protocolo CML/coleccionador Manguel nos últimos minutos de uma reunião pública de Câmara (dia 30) já sem a presença da oposição — o PC é outra coisa que não oposição —, sem haver debate e sem esclarecimentos, o que foi denunciado no dia seguinte num artigo do Observador mas sem focar a aprovação do Protocolo.
O Expresso publicou em 12 de setembro uma entrevista cúmplice e laudatória, assinada por José Mario Silva, sem perceber o logro em que caía (2) e sem a acompanhar por um trabalho jornalístico dedicado ao projecto de instalação da colecção Manguel no Palacete Pombal e criação de uma nova entidade à margem da rede das bibliotecas e arquivos municipais, dotada de meios de excepção.
Objecto da crítica ou denúncia do AG ao que tinha publicado, o Expresso não respondeu, não averiguou, ausentou-se, não sei se envergonhado.
O Público “deu à estampa” a denúncia fundamentada do António Guerreiro sobre um passo insólito da entrevista do Expresso mas não comentou, não averiguou, não voltou ao assunto.
Note-se que José Mário Silva (Expresso) e António Guerreiro não são jornalistas, são “colaboradores”.
A revista Sábado publicou em 17 e 24 de setembro dois artigos incisivos de João Pedro George (cronista, não jornalista) mas não me consta que tenha a seguir pegado no assunto em termos jornalísticos.
1. Manguel entrevistado por José Mário Silva no Expresso: o exemplo Aby Warburg. 2. António Guerreiro apanha o mitómano que mente
Trata-se em princípio da doação de uma colecção de livros que não está catalogada ou inventariada, e as normas legais quanto â aceitação pública de doações exigem o inventário. Em paralelo trata-se da criação de um novo equipamento da CML a dotar de largos meios técnicos e programação com ambição internacional, com os inerentes financiamento a curto, médio e longo prazo. Nada indica que a legalidade esteja a ser cumprida, e a razão não está a ser respeitada.
O Observador denunciou a pouca regularidade do final da reunião pública de câmara (quando tinham decorrido mais de 6 horas de sessão) mas não deu sequência ao tema nem aliás se referiu à aprovação do Protocolo, que continuamos a desconhecer.
Que jogo se terá feito nessa sessão? Medina ausente e Catarina Vaz Pinto muda (presente?) não apresentaram e defenderam a sua proposta (nº 36 da ordem de trabalhos, proposta 599/2020) -- não era preciso nem conveniente. CDS e PSD tinham já saído da sala, em protesto contra a maratona imposta; João Ferreira do PC (vereador, deputado europeu e candidato) também saíra, mas ficou Ana Jara a cumprir o que pareceu um negócio já escrito: pediu a votação separada de três alíneas da proposta (quais?) e votou contra elas: foram aprovadas por 8 em 9 vereadores de um total de 17; depois votou a favor do restante (?). O José Sá Fernandes, ex-Bloco depois PS/Cidadãos por Lisboa/Helena Roseta, vereador verde, agitava-se levantava-se voltava, mas votou a favor. Manuel Grilo do Bloco também, pelo que percebi. O BE ainda não disse nada sobre a insólita biblioteca. Não podia ser mais óbvio que estava combinada a votação e decidida a ausência de debate - tudo indica que está em jogo a próxima lista de "maioria de esquerda", o que já se percebera no caso do Aljube. (A versão burocrática e cúmplice do Observador saíra a 12 de Setembro: https://observador.pt/.../depois-de-ter-esperado.../amp/ )
No fazcebook fui dando notícia do caso e incluí bastante informação publicada na Argentina sobre o tempo em que Alberto Manguel foi director da Biblioteca Nacional, nos anos do direitista presidente Macri - a qual me foi sendo enviada por leitores revoltados. A série de notas (a 21, 22, 23, 24, 25, 27, 29, 30 de setembro, 1 de Outubro - ver #medinamanguel ) foi bastante aplaudida e partilhada.
Neste fim de semana comprei o Expresso e o DN (uma boa ediçã0) e até o Sol (uma edição picante, em que brilha (?) o retratista do Cavaco) para tentar ver como os semanários seguiam o escândalo Medina & Manguel. Mas não descobri nada.
A indigência da imprensa não é surpresa, mas confirma-se. Não faz o seu suposto trabalho, não investiga, não esclarece, não informa, não confronta os poderes políticos com as suas arbitrariedades e/ou irregularidades. Não são comunicação social mas acomodação social, intimidação social, manipulação social.
(O caso da anunciada biblioteca Colecção Manguel deveria ser associado à história do Museu do Design (MUDE) que é uma entidade irregular criada pela CML sem estatuto institucional ou jurídico, falsa portanto e desde sempre, surgida de uma colecção particular vendida à Câmara por Francisco Capelo em 2002, herdada da gestão Santana Lopes e mandada instalar em 2009 pelo António Costa num prédio da CGD na Rua Augusta e num contexto pré-eleitoral. Antes esteve exposta no CCB de 1999 a 2006, e desde 2016 o prédio está em obras, paradas (algum dia reabrirá?). É um caso irresolúvel - anunciou-se a integração na EGEAC, mas não podia ser, não pode escapar como fundação, a directora não é directora e têm o coleccionador Capelo à perna.
E também poderia ser recordada, muito a propósito, a frustrada história do projecto África.cont que foi destinado ao mesmo Palacete Pombal e às respectivas Tercenas do Marquês em 2008, nos tempos áureos e loucos de Sócrates e Costa. Anunciou-se com pompa num jantar oferecido ao corpo diplomático sob a pala do Pavilhão de Portugal (tenho divulgado o "booklet" do grandioso projecto, que desaparecera da rede). Luís Amado (ele próprio coleccionador e galerista africanista) queria um museu das artes das Áfricas, mas a cúpula cultural mais contemporânea ambicionou o maior centro cultural dedicado ao continente dos negros em todo o mundo, e a possível cooperação artística ficou embargada por dez anos até à extinção formal do que já era só um assessor do gabinete da vereadora da cultura.
E o caso também deveria ser associado com proveito aos anúncios de museus sucessivamente proferidos por Fernando Medida ou só prometidos sem anúncio público.
E ainda à lógica de uma rede de galerias municipais, excessivas e de programação questionável, que há poucos anos era dirigida por alguém que acumulava o cargo com a propriedade de uma galeria privada (João Mourão - agora director de um muito grande vasto centro de arte nos Açores, Arquipélago; a acumulação de lugares público e privado continua, tendo agora atribuído a direcção da sua galeria ao companheiro). A denúncia reiterada e também pública que então fiz teve consequências, deixou a CML, mas a corrupção continua.
Tudo isto tem a ver com a vereação de Catarina Vaz Pinto que têm mantido um permanente silêncio e não é interrogada pela imprensa.)
As redes de cumplicidades estão por todo o lado e bem defendidas. Há medo por toda a parte e designadamente entre os jornalistas (e têm razões para ter medo)
O lobby dos livros, “amantes” de livros e seus festivais, festas e lançamentos, autógrafos e croquetes, está estranhamente calado no facebook, onde tudo agora se joga.
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(1) . O que escreveu o AG no suplemento Ipsilon / Público de 18 Set.: "Alberto Manguel (...) teria sido, a dada altura, instigado pelo seu secretário: “Escute, professor, esta biblioteca é riquíssima, os investigadores querem visitá-la e trabalhar nela, é preciso que a torne pública”. Embora reticente, acrescenta Manguel, “Warburg aceitou por fim abrir a biblioteca ao público. Quando o faz enlouquece. E morre internado numa clínica psiquiátrica”. Nada nesta descrição corresponde à verdade: 1) A biblioteca criada por Warburg, em Hamburgo, não corresponde em nada à ideia de biblioteca como colecção de livros feita por um leitor ou um bibliófilo, e por isso é que é única e importante 2) Fritz Saxl, que foi de certo modo o seu secretário, jamais falaria a Aby Warburg naqueles termos, até porque este nunca foi professor, limitou-se a colaborar esporadicamente, através de um seminário, com a Universidade de Hamburgo; 3) a KBW tornou-se um instituto público em 1926, mas já muito antes era aberta a investigadores (por exemplo, Cassirer tinha feito lá toda a investigação para escrever A Filosofia das Formas Simbólicas); 4) Warburg não morreu quando a sua biblioteca se tornou um instituto público, mas três anos depois, em 1929; 5) Warburg não morreu numa clínica psiquiátrica, mas em casa, de um ataque cardíaco; a clínica psiquiátrica entra na sua biografia, mas num tempo anterior, de 1918 a 1924, quando esteve internado na clínica do célebre psiquiatra suíço, Ludwig Binswanger, por ter mergulhado num estado de profunda esquizofrenia que todos os médicos a quem Binswanger expôs o estado mental do seu doente (Freud foi um deles) pensaram ser irreversível.
Alberto Manguel conhece certamente muito bem a história da KBW. Mas a sua pulsão mítica de bibliómano alucinado leva-o a reivindicar uma genealogia que o engrandece, mas não é, com toda a evidência, a sua. Esta história da instalação da sua biblioteca em Lisboa está cheia de sintomas de provincianismo. (...)"
(2) . O que escreveu o José Mário Silva que disse o Alberto Manguel, no Expresso de 12 Set. : "O exemplo que me vem imediatamente à cabeça é o de Aby Warburg, o grande leitor-colecionador do início do século XX. Ele criou uma biblioteca particular muito importante, vastíssima, organizada segundo as suas pessoalíssimas associações de ideias. A dada altura, o secretário disse-lhe: “Escute, professor, esta biblioteca é riquíssima, os investigadores querem visitá-la e trabalhar nela, é preciso que a torne pública." Embora reticente, Warburg aceita por fim abrir a biblioteca ao público. Quando o faz, enlouquece. E morre internado numa clínica psiquiátrica." (sic, pág. 23, Expresso Revista E: Entrevista. "Esta biblioteca é a minha imortalidade partilhada")
Nota: As frases do Manguel não são um caso de polícia?