Quando se inaugurou o CAM era o único museu de arte portuguesa moderna (o MNAC estava encerrado e a colecção moderna era muito deficiente; hoje voltou a não haver qualquer museu que apresente a sua colecção da arte nacional). Até final da década de 2000, com sete sucessivas remontagens da colecção, manteve-se o CAM como Museu: https://gulbenkian.pt/historia-das-exposicoes/exhibitions/817/ (7ª remontagem). No seu início Rui Mário Gonçalves fora um dos principais conselheiros numa disposição que opunha na grande nave figurações e não-figurações, conforme orientações dos anos 60; os critérios foram sendo actualizados. Houve interrupções para mostras de grande vulto, mas mais tarde, o CAM deixou de assumir a responsabilidade de ser Museu, usando-se apenas as galerias laterais para o discurso histórico e a grande nave para "instalações" por imposição da administradora Teresa Gouveia durante a direcção de Isabel Carlos (Cabrita Reis inaugurou o ciclo com uma performance de vários meses que não lhe correu bem, a ele e ao Canova)
Reapareceu o museu com a direcção de Penelope Curtis 2015-2020 (https://pt.wikipedia.org/wiki/Penelope_Curtis), não continuada por incertas razões. A sua programação, depois de uma 1ª exp muito original, "Linhas do Tempo", que juntou as duas colecções da casa, do fundador e moderna, e deu a conhecer obras nunca vistas, passou a contar com uma revisão sucessiva do panorama nacional e do acervo do então ex-CAM na série de montagens "Portugal em Flagrante - Operação 1, 2 e 3".
Mas já em 2007 por ocasião das celebrações do 50 aniversário da FG a exp 50 anos de Arte Portuguesa, comissariada por Raquel Henriques da Silva, o então Serviço de Belas-Artes e o CAM tinham-se voltado pela 1ª vez para a exploração da história do CAM e da colecção, tratando a documentação relativa às bolsas concedidas desde o início da actividade e sumariando algumas datas maiores.
Foi então um marco que não teve continuidade directa, mas a Fundação veio a criar em 2017 um site, sob a orientação da Leonor Nazaré e com recursos externos, onde se faz o registo e a memória das exposições que levou a cabo desde a sua criação - https://gulbenkian.pt/historia-das-exposicoes/. É um arquivo precioso, sempre em actualização.
A actual mostra torna bem patente a indecisão do CAM entre Museu e galeria de exposições, dando a ver que as aquisições recentes têm tido mais a ver com o acompanhamento (mais ou menos aleatório, faccioso e acrítico?) da emergência de novos artistas do que com a solidificação da mais importante colecção portuguesa.
O que no início da actual montagem tem a lógica do Museu (as escolhas, a compra de obras para um panorama continuado e qualificado) torna-se depois (na secção confusamente intitulada "Depois das Belas-Artes", relativa à direcção Molder) a exibição de artistas e obras de importância muito variável, onde se troca o critério da qualidade e da história (sendo esta uma construção em movimento) pelas opções de quantidade, cumplicidade e actualidade (tantas vezes alegada actualidade sem confirmação).
Ai diz o texto de parede:
A nova geração de escultores, pintores e autores de desenho seria bem representada, mas também uma diversidade muito ampla de outros meios e suportes. Vivia-se um forte momento artístico em que a liberdade e a novidade rompiam definitivamente com os cânones das chamadas «Belas-Artes», apesar de estes serem também mantidos e aclamados. Por outro lado, Jorge Molder abriu caminho à aquisição frequente e entusiástica da fotografia entendida como objeto artístico e como proposta conceptual...."
Foi uma direcção problemática que chegou ao fim sob forte pressão da administração da FG, como se entende numa publicação de Vanessa Rato no Público, onde o empurrão é manifesto, já com escândalo: "Gulbenkian não celebra 25 anos do seu Centro de Arte Moderna" 20 de Julho de 2008, que contou com um depoimento significativo de Rui Sanches, que fora director adjunto com Molder de 1994-1998.
Rui Sanches escreve em especial sobre Sommer Ribeiro:
"O CAM cresceu como um centro/museu em que a componente museu foi ganhando mais peso, com uma correspondente perda de agilidade, mas sem nunca se definir claramente por nenhum dos dois caminhos.
A direcção do CAM foi, nos seus primeiros dez anos, entregue a uma pessoa que marcou o meio artístico português da segunda metade do século XX e que tinha estado ligado ao projecto desde o início: José Sommer Ribeiro.
As suas qualidades humanas, o seu talento de diplomata, permitiram-lhe materializar o projecto do CAM e dirigir os destinos daquela casa num contexto institucional muito difícil. O projecto arquitectónico do CAM, marcado desde o início pela gestação acidentada de encomenda, e apesar da competência da equipa de projectistas, ficou longe da qualidade exemplar do edifício-sede da Fundação Gulbenkian. As características dos espaços da exposição, a ligação com a cidade, foram alguns aspectos que logo mostraram deficiências difíceis de gerir.
Apesar das dificuldades institucionais atrás referidas, que se reflectiram na dificuldade de constituir uma equipa e definir claramente um programa, Sommer Ribeiro conseguiu fazer uma obra notável. A constituição de uma colecção única de arte portuguesa, só possível pelo seu bom relacionamento com os vários intervenientes no "mundo da arte" em Portugal, é talvez o aspecto que me parece mais importante do seu período à frente do CAM. Infelizmente a colecção ficou quase exclusivamente centrada na produção portuguesa, não permitindo a contextualização das nossas artes visuais num meio mais alargado."
É um depoimento que evidencia o silêncio da actual montagem em texto de parede e em especial do catálogo sob a acção de José Sommer Ribeiro, presente na FG desde o início como arquitecto, director sucessivo de vários serviços e até ao fim homem de confiança de Azeredo Perdigão, o que lhe deu possibilidade de conquistas sucessivas, até à direcção do CAM, de que se reformou em 1994, passando a seguir ao Museu Arpad e Vieira, que foi também obra sua. A falta de memória é neste capítulo sem dúvida gravosa.
O novo edifício permitirá alargar a área dedicada ao Museu do CAM? Parece que pouco ou nada. E não será certamente essa a orientação do novo director do CAM, Benjamin Weil, vindo do lugar de director artístico do Centro Botín por sugestão (via Julião Sarmento) de Vicente Todolí, que preside ao Conselho Consultivo em Artes Visuais do mesmo Centro Botín em Santander (veja-se a entrevista de Todolí no Expresso-Revista de 5 de Maio, onde disso não se fala). A circulação de exposições temporárias e as aquisições de obras dos artistas expostos deverá impor-se ao Museu, sem que se aprofunde a representatividade da colecção. A ver vamos, mas a FG tem dado mostras de falta de orientação e coerência, de que foi exemplo maior a fusão efémera em 2015-20 dos dois museus.