"Século Berardo"
EXPRESSO/Cartaz de 29-01-2000
COLECÇÃO BERARDO
Centro Cultural de Belém e Sintra Museu de Arte Moderna
MESMO para quem acompanhou a inauguração em 1997 e as sucessivas remontagens da Colecção Berardo no Museu de Sintra – que recuaram o início do percurso histórico de 1945 para o final dos anos 20, ao tempo da concorrência entre o surrealismo e a abstracção geométrica, ou introduziram posteriores aquisições e substituíram alguns núcleos temáticos – as exposições que abrem no CCB e em Sintra são, de novo, uma surpresa. A extensão e a importância da Colecção, que agora se expõe muito mais alargadamente nesses dois espaços, confirmam-na como a oportunidade única de em Portugal se conviver com a arte do séc. XX – sem que, aliás, o fim do século venha encerrar, promete-se, o crescimento futuro do acervo.
O novo panorama cronológico mostrado no CCB começa em 1917 com o construtivismo russo. É um começo arbitrário, que atribui excessiva importância a um episódio vanguardista local, radicalizado pela 1ª Guerra, a revolução soviética e o fechamento das fronteiras europeias. Também é um começo mais acessível em termos de mercado, face à complexa diversidade da arte desses anos, em que o chamado regresso à ordem (aos realismos e à grande tradição da pintura) não é uma vitória da «reacção». Mas uma colecção tem a sua história e ambição específicas; neste caso, um projecto didáctico de exemplificar movimentos, mais do que antologiar os artistas que excedem o interesse dessa abordagem historicista.
Sala a sala, a exposição do CCB persegue depois o curso do século que terminou, com amplo espaço, também em geral inédito, para as duas décadas finais, aberto a produções mediatizadas sobre as quais não existe ainda recuo crítico – e essa abertura ao presente é uma outra marca positiva de uma colecção em crescimento, que não tem paralelo em museus nacionais.
No catálogo, o crítico norte-americano Donald Kuspit faz uma curiosa leitura da Colecção. Sublinha a abrangência e profundidade dos seus critérios de selecção, e considera-a «um registo psicológico magnífico da mentalidade moderna em toda a sua ambivalência». Prestando homenagem ao «idealismo rígido» de Francisco Capelo (anterior mentor da colecção, a quem José Berardo também saúda no seu prefácio), Kuspit mostra como o acervo reunido exemplifica «o conflito entre o valor desumanizante da abstracção e o sentido humanizante da representação na arte moderna», num «percurso do idealismo construído no início do séc. XX para a melancolia da figuração do final do século».
Entretanto, o Museu de Sintra não fica vazio. Aí se apresenta uma mostra complementar com outras obras que poderiam também ter encontrado o seu lugar na montagem cronológica do Centro, mas que em vez disso servirão de base a um segundo itinerário expositivo guiado, não pela sequência dos estilos, mas por associações temáticas. A lógica dessa montagem, da responsabilidade de Maria Nobre Franco, directora do Museu, estrutura-se em três áreas principais, a que correspondem os tópicos Objecto e Paisagem, Forma e Espaço e, no segundo piso, Figura e Narrativa. E a algumas obras já antes mostradas, juntar-se-ão as duas grandes aquisições mais recentes – de Francis Bacon e Robert Delaunay – e outros trabalhos inéditos, alguns deles aumentando o número de artistas portugueses incluídos na Colecção. (Até 30 de Abril. Em Sintra, abertura ao público a partir de 3ª feira)