É altura de dizer, em Lisboa:
JÁ HÁ FESTIVAIS A MAIS
Tudo pequenos festivais de miudezas, para ter algum pessoal e vários
segmentos geracionais, corporativos e locais animados, mas nada de
importante ou de destacável. Vale a pena percorrer a AGENDA de Setembro e
sumariar os eventos "imperdíveis" (como dizem as minhas amigas no fb).
Desde o "festival toca e foge" e "festival chaves na mão" ao "festival
faz de conta" e à "festa de nicho" (e estou a referir exemplos reais).
Ele é o Todos, o Lisbon Week, a Trienal de Arquitectura, a Festa do
Cinema Francês, o Festival Design & Performance, o Festival
Internacional de Cinema de Terror, o Festival Queer, Arquitecturas Film
Festival Lisboa 2013, o Festival Caixa Alfama, o Festival Cantabile, o
Bairro das Artes, as Jornadas Europeias de Património, o MOVES (?) 1ª
Mostra de Actividades Culturais e acaba a Agenda com o anúncio do São
Luíz "Vai ser uma festa em Setembro". Festa é a palavra chave, e serve
para recobrir toda esta reinação.
(Não tenha nada contra a miuda curadoira que estava na Bienal de Gwangju (Coreia do Sul) quando lhe falaram do anúncio - deve ser tão boa como outra qualquer. As palavras-chave são "tudo se equivale" e "siga a festa")
Não se passa nada, mas é um
fartar miudagem (refiro não a idade mas as miudezas, ou ambas as
coisas). Claro que tudo isto apoia uma gentrificação soft (Poço dos
Negros, Bica, Cais Sodré, Martim Moniz, Intendente, etc), certamente
desenhada, sustentada no que os franceses chamam "bo-bo", de bourgeois
bohème (já vem na Wikipedia). E com isto distribui-se uns trocos pelo
pessoal das artes, que está a aprender que tem de saber vender
espectáculos, exposições, ideias, produções, instalações e animações em
geral, naturalmente como trabalhadores precários, porque ser "criador"
não é profissão, e, como se sabe há muito, fazem-se artistas - regras da
CE - porque já há poucas actividades produtivas e os artistas são
desempregados com boa auto-consciência, boa auto-imagem, menos
reivindicativos que trabalhadores sem trabalho: sempre podem inventar a
sua actividade. São várias mutações profundas, que se vivem
discretamente, sem se anunciarem.
Claro que estamos em tempo
eleitoral e claro que há alguns interessantes "equipamentos culturais"
abertos recentemente ou ainda a abrir. Claro que há grandes equívocos
que ficaram pelo caminho graças à crise, como a megalomania do
Africa.Cont à 24 de Julho, e outros aguardam solução, como o Museu dos
Coches (Sócrates-e-Pinho) e o Pavilhão de Portugal. E não se repetiu a
já esquecida bienal de Escultura Pública que encheu de vergonha as ruas
de Lx por conta de uma negociata lá para os lados da Comporta.
Em geral, agora há só espuma, a gosto de todos os nichos, e quem quiser
escolher dois eventos culturalmente significativos, ou uma só exposição
marcante, tem muita dificuldade. Não vale distinguir o que seria a
Cultura e o entretenimento, separando o que é o espaço social do "sério"
e erudito" e o espaço da animação, de toda esta efervescência de verão e
de rua, convivial-turístico-juvenil-el eitoral-mundana,
etc. Não há campos estanques e a Grande Divisão entre cultura de massas
e de elite deve ser sempre posta em causa. Mas, entretanto, vale a pena
ler a prosa promocional da Agenda Cultural Lisboa SET 2013 (com o seu
design esforçado e de difícil leitura: o que conta é o look e a
assinatura Silva!Designers, que já fez coisas brilhantes) para saber por
onde vamos (mal):
"Mas como nem só da alma se vive, tem agora uma
vasta oferta de esplanadas e restaurantes onde retemperar energias"... e
"pode ainda ficar para a noite, pois ... oferecem agitação até altas
horas". Adiante: "Para esta nova 'caminhada' a organização promete muita
cor, muitos sons e muitos paladares." Muito, muita agitação, muita
festa.
Tudo se equivale, há muita agitação em Lisboa: copos e
convívio, noites e social. Claro que quem diz que há por aí uma CRISE e
que a cultura vive uma época de abandono e estagnação se engana
redondamente. Há um tempo de mudança e de experiências no âmbito da
engenharia social (a convergência estratégica da CML e do Governo é
outro tópico a interrogar, e não sou contra - notem-se as contas do
aeroporto, mas também os velhos hospitais destinados a condomínios...)
Declaração de interesses: tb tenho um pé num dos festivais (e seria
difícil escapar): coisa discreta, que estava programada antes do
programa e para a qual o local de produção não recebe um tusto da CML.
Tenho um pé e não uma mão, entenda-se.
Será possível acompanhar este tempos de festa com alguma reflexão em torno do tema: JÁ HÁ FESTIVAIS A MAIS ?
E pelo caminho identificar os equipamentos, as estruturas, os museus,
os lugares subvalorizados, esquecidos, ameaçados? Por exemplo o Espelho
de Água e o Museu de Arte Popular (para quando uma parceria CML/SEC para
devolver o Museu a Belém), o património e os Museus do Hospital Miguel
Bombarda (os negócios da ESTAMO/CML), o Arquivo de Fotografia (sempre
sacrificado ao apoio a eventos), o Museu da Cidade, a Hemeroteca (em
trânsito ou em redução de serviços?).
EM LISBOA JÁ HÁ FESTIVAIS A MAIS...
Transcrevo alguns diálogos públicos no facebook, agradecendo a colaboração:
Pedro dos Reis (1 / 9): Olhando em perspectiva arrisco a dizer que a Cultura sempre foi de alguma forma instrumentalizada.
Vejamos, por exemplo, o que se passa com a Lei do Mecenato e a sua implementação no "mundo real". Sim,
são privados, mas usam um recurso providenciado pela legislação para
contornar a fiscalidade da sua actividade... e que vai alimentando o que
o Alexandre descreve sobre "bienais" e outras "pontas de icebergue"
culturais.