Sobre projectos interrompidos e indecisões estratégicas. Sobre arte contemporânea de África e as oportunidades perdidas: a Colecção da CGD e a orientação multicultural da Culturgest, a Arte Lisboa de 2004, o projecto Artafrica da Gulbenkian, a exposição "Réplica e Rebeldia" do Instituto Camões, de 2006, que não veio a Lisboa. (revisto em 29/11/2008)
O título pode ser excessivo, mas talvez incite à leitura. Sai amanhã/hoje <a 5 Out. 2007> no Expresso/Actual e tem a ver com a estúpida circunstância de as diversas iniciativas de colaboração com os artistas de Moçambique (e outros lugares) se traírem sucessivamente por falta de sequência ou de visão estratégica, precisamente na altura em que a África desperta mais interesse nos circuitos culturais das antigas metrópoles - na Documenta e na bienal de Veneza, e antes na itinerante exposição Africa Remix. Aliás, parte desta, que acabava o seu curso no fim de Setembro em Joanesburgo, deve em seguida ser mostrada no activíssimo Centro Cultural Franco-Moçambicano.
A biblioteca do Instituto Camões em Maputo, bem como a escola portuguesa, são certamente pólos essenciais de uma presença cooperante e com êxito. Mas outros terrenos, para além da língua, têm assistido a uma absurda delapidação de meios e expectativas. Com dois bancos que fazem fortes investimentos mecenáticos a competir no terreno, a CGD e o Millennium, e com outras apostas empresariais significativas, bastaria articular recursos disponíveis, interessados e projectos.
EXPRESSO, Caderno Actual, 5 de Outubro de 2007, “Tribuna”
A derrota de África
A primeira grande iniciativa que liga Portugal à internacionalização de artistas africanos corre o risco de se desvanecer antes do seu termo
A megaexposição «Africa Remix» iniciou em 2004, em Dusseldorf, um circuito que incluiu Paris, Londres, Tóquio, Estocolmo e Joanesburgo, onde está agora. Com 85 artistas de 25 países e da diáspora - cinco de Moçambique -, ampliou o interesse por um continente ausente do panorama da arte, apesar do seu papel (indirecto) nas transformações do século XX. Não se abriu uma moda africana, porque é preciso dispor de muita mercadoria para impor uma moda, mas a Documenta de Kassel escolheu 11 artistas do chamado continente negro e a Bienal de Veneza alinhou, num óbvio exercício de má consciência: atribuiu o Leão de Ouro ao venerando Malick Sibidé, do Mali, n. 1935 (pela primeira vez um fotógrafo e um africano, mas já sem qualquer novidade), além de contratar em Angola a colecção do congolês Sindika Dokolo, genro do Presidente Eduardo dos Santos. É o «Check List Luanda Pop»...
Tudo isto faz parte do dinamismo multicultural do presente, enquadrado por retóricas «poscoloniais» vindas das universidades imperiais. Mas, em vez de sumariar os artistas africanos que passam pelos filtros tecidos nas metrópoles, importa agora vê-los nos seus contextos culturais. Tive a confirmação desta opção nas actas dum congresso de críticos em Dakar, onde Henry Meyric Hughes recomendava que se deixasse de observar a arte contemporânea de África pelo binóculo, passando a auscultar à lupa «o lugar individual de cada artista e cada obra no seu contexto social, político e geográfico, antes de tentar comparações com outros trabalhos ou outras situações socioculturais».