De mal a pior. É certamente uma estreia no espaço que devia ser o da crítica de arte, a seguir às páginas de crítica de cinema, música, livros... Ou não foi uma estreia, mas os assuntos ou o calendário justificavam a solução precária ou expedita. Agora (23 dez.), a página Exposições do Expresso é ocupada por uma jornalista não qualificada para o efeito, substituída aos críticos habituais, certamente por uma contestável imposição das chefias, e o texto não questiona nem elucida, serve. A promoção, o discurso publicitário de encomenda, o frete imposto por um chefe ignorante e autoritário substitui o exercício da crítica responsável (se ainda era responsável). Percebe-se que os dois titulares da secção não quereriam dedicar uma página à Armanda Passos, mas outros poderes se impuseram certamente (não tenho inside Information). A respectiva pintura, que não irei ver à Fundação Champalimaud, desagrada-me desde sempre, é uma fórmula popularucha repetida, poupando aqui outras apreciações. Para os leitores vão-se confundindo valores, cresce a incompreensão e vence a indiferença.
Há poucas semana (9 Dez.), o Balanço do Ano da área das exposições contara só com a escolha de um crítico habitual entre três autores de escolhas, anunciando-se assim a degenerescência da cultura da revista. A lista dos melhores não era credível, para além das divergências de gosto.
A desaparição da crítica de artes plásticas, ou artes visuais, na imprensa generalista é uma situação a agravar-se há algum tempo, e cada vez mais acontece, por exemplo no Público, que exposições relevantes são passadas em silêncio, enquanto supostas "emergências" e galerias amigas vão tendo algum espaço. Lembro, no Público, as exposições actuais de Graça Morais (uma das melhores do ano), o Mistifório do Natcho Checa na Fidelidade, uma boa surpresa, e a recente Colecção Teixeira de Freitas, uma imensa exibição de "arte contemporânea" (com aspas) apresentada pelo MNE na Cordoaria, pouco ou nada divulgada mas que abria caminho a questionamentos necessários, ou a anterior Pintura de Histórias que co-comissariei e foi a mais importante antologia de Júlio Pomar desde as de 2004. O que tem lugar nas páginas é aleatório, sem qualquer padrão inteligível, um calhar suspeito.
A crítica não é só vítima, ela foi preparando o terreno para ser enterrada.
MENEZ: entrevista 1990
02/22/2022
MENEZ: antes das palavras
Como fala um pintor daquilo que pinta, se detesta o marketing das teorias e das poses, se recusa o cerco dos nomes e a aparência mais fácil das coisas? Menez acaba de ser distinguida com o Prémio Pessoa 90 e a sua pintura oferece-se numa admirável retrospectiva apresentada na Gulbenkian.
Entrevista de Inês Pedrosa e Alexandre Pomar, Expresso Revista de 22 de dezembro de 1990.
QUASE todos os quadros dela se chamam «Sem Título», porque não se podem chamar. Ela não quer dar-lhes nomes, compreendê-los, cercá-los. Ama demasiado a pintura, teme tranquilamente as palavras. Não quer dizer nada que assuste os segredos da vida.
Lá em baixo há espíritos em animado bulício; a Fraternidade Espírita Cristã reúne-se fragorosamente. Menez não se incomoda muito, prefere o barulho das cidades ao absoluto silêncio do campo. Qualquer cidade lhe serve, desde que não se pareça a Washington D.C. E que tenha luz – aqui, na Rua da Saudade, na Costa do Castelo, a luz vem do rio, inteiro, para lá da janela.
O telefone não pára de tocar: Menez gasta o seu stock anual de «obrigada» por conta do Prémio Pessoa. Os pequenos comércios vizinhos espantam-se e alegram-se com ela: «Uma senhora tão simples, e afinal com tanto valor!» Surgem logo vozes sábias, explicando que o valor é sempre inversamente proporcional à vaidade. Mas Menez é vaidosa de outra maneira, vaidosa de dentro para fora, atenta aos mínimos sinais de și.
Maria Inês Ribeiro da Fonseca nasceu em Lisboa, a 6 de Setembro de 1926. Cresceu fora das escolas, na atmosfera internacional e leve dos diplomatas. Entre os dois e os 24 anos, sempre com o intervalo certo dos meses de Verão em Cascais, viveu em Buenos Aires, Estocolmo, Paris, Suíça, Roma e Washington, claro. Não se esperava dela mais do que o suave culto das aparências, a beleza etérea de uma aparição. Ainda hoje Menez guarda nos gestos, no jeito de conversar, a memória dessa educação. Mas os olhos traíam-lhe, traem-lhe, outras inquietações, e subitamente ela começou a pintar. A pintar a sério, como se vivesse no mundo.
Foi em 1953, e um ano depois expunha pela primeira vez. Não parou desde então, dispersando os desenhos e as pinturas que agora voltaram para preencher a grande sala da Gulbenkian. Não parou também de crescer e transformar-se como pintora, desde uma situação que se viu primeiro como luminoso e lírico exercício de «abstracção» até à surpresa recente, por volta de 1985, do desvendar dos seus temas e do revisitar de modelos antigos da pintura que são as suas séries sobre a «Descida da Cruz» ou «S. Jorge e o Dragão», as suas naturezas mortas, os «ateliers», as alegorias das Três Idades, etc. Mas não paremos nós, os espectadores, perante as aparências dos nomes ou a parecença das coisas. «Nesse mundo em que o canto nasce antes da palavra, lavram os poderes da evocação”, disse de Menez outro pintor.
A retrospectiva, depois o Prémio, obrigaram-na a ceder às entrevistas. Menez detesta-as tanto como às formalidades dos impostos ou dos bilhetes de identidade. Não gosta de falar da sua pintura, mas no entanto ela fala... FOTOS do filme MENEZ, de Teresa Marta, 1990, em exibição no Atelier-Museu Júlio Pomar
Continue reading "MENEZ: entrevista 1990" »