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03 jan 2018
Maria Lamas fotógrafa, em resposta breve a Filomena Serra, que veio defender em comentários pouco visíveis o historiador Manuel Villaverde Cabral enquanto observador de fotografia, servindo-se de uma opinião de Luiz Carvalho.
As fotos "parecem feitas por uma principiante", escreve MVC, enquanto LC intitula "as fotos caseiras de ML" uma confusa nota onde se baralha: "É evidente que é um olhar nada treinado, sem técnica nem intenção narrativa. São testemunhos frontais, simples e daí a sua coerência ao ter criado um discurso visual que ultrapassou as suas intenções iniciais." - o que quer isto dizer?
E que vale a qualificação atribuída por LC a ML face aos comissariados de Jorge Calado? Para não referir o que fui escrevendo sobre ML desde 2008 e que foi fazendo o seu curso... (não tenho presente o que terá escrito Emilía Tavares sobre ML).
Se não ignora as exposições e os textos ( esta não é uma área de competência de MVC) impunha-se contra-argumentar. LCarvalho é um esforçado divulgador e um bom fotógrafo dado a ressentimentos (nem todos podem ser os melhores).
M.Lamas é uma grande descoberta como fotógrafa: é preciso vê-la com disponibilidade e boa fé, admitindo que há artistas espontâneos, e inesperados, desconhecidos, sem fugir à surpresa e sem precisar de embrulhar as imagens (e a cegueira própria) em enredos ideológicos improdutivos. António Sena tb não a viu - ficam em boa companhia, mas errados: perdem uma pequena obra e um caso de excepção da fotografia portuguesa.
MVC conheceu bem ML em Paris, ao tempo em que as suas fotografias não se valorizavam nem compreendiam. Posso também dizer que conheci bem MVC e que com ele e outros fiz política em 74-75, depois de o admirar nos tempos do exílio, do esquerdismo e da investigação. Depois o mundo deu muita volta. MVC, como eu disse, tem ou tinha as suas áreas de competência, tb a do comentário político actual, que às vezes partilho.
Apesar de ter feito crítica de cinema, a fotografia é uma área em que vê pouco e mal. Insuficiência ou ausência de pesquisa, desde logo quanto à fortuna crítica recente de M Lamas: errada desvalorização da qualidade fotográfica da pequena obra de ML (que vale o esforçado LC face às exposições e catálogos de Jorge Calado? - se não os ignora devia discuti-los). Investigar e argumentar são a chave operacional da questão. Gostaria de ter continuado a ser amigo, cúmplice, camarada, visita de casa de MVC, se se julga adequado pôr a divergência em termos pessoais.
Outros artigos da revista abaixo referida, “Comunicação Pública” (importante por trazer atenção a uma área desabitada) merecem uma abordagem criticamente negativa, por exemplo sobre “propaganda colonial”. A corrida da Universidade à fotografia, com cotoveladas várias, faz-se sem acuidade visual e sem seriedade da investigação - está-se a danificar mais um continente.
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Em 1947, quando Maria Lamas dá início às suas viagens pelo país para a publicação de 'As Mulheres do Meu País', tem 53 anos, e fora até há pouco directora de 'Modas e Bordados', jornalista e romancista. "Resolvi arranjar uma máquina e ser eu, também, fotógrafa", lê-se numa notícia publicada no boletim 'Ler - informação bibliográfica', Publicações Europa-América (Maio-Junho 1948, pág. 10).
"A obtenção de fotografias, confessa, foi uma das maiores dificuldades que encontrou, pois queria-as ‘verdadeiras, expressivas, com valor documental e inéditas’. Acabará por assumir-se como repórter fotográfica, num trabalho pioneiro" – 'O Primeiro de Janeiro', Porto, 28 de Abril de 1948 (entrevista na pág. "Das artes e das letras").
Os seus inúmeros retratos de mulheres devem ser vistos como uma grande aventura fotográfica, com um sentido de documentário social, de denúncia e de esperança ou optimismo que tem de ser associado ao neo-realismo, como uma contribuição muitíssimo original (o neo-realismo nunca teve fronteiras conceptuais fechadas e pode/deve ser identificado como tal, ou como aproximação a, sem que os autores dele se reclamem).
Herdeiras de uma prática fotojornalística recorrente - o retrato individual que acompanha as notícias - , as fotos de ML têm uma verdade e uma energia contagiantes, que desde logo decorrem e comungam da situação concreta do inquérito e do voluntarismo da autora. Toda a ambição esteticista ou artística está ausente: são documento e testemunho, tanto das mulheres encontradas no terreno como na atitude da autora. Nunca foram expostas até aos anos 2000 (e seguramente não foram pensados como objecto de exposição, ou colecção, ou edição autónoma), e nem mesmo foram incluídos ou referenciados, ao que julgo, nas exposições documentais tardias sobre Maria Lamas.
Não referidos por António Sena na sua história, permaneceram como material não visto, não reconhecido, não valorizado, ignorado pelo neo-realismo oficial (o das EGAP de 1946 a 1950...) e também, naturalmente, pelos meios da "arte fotográfica", em que também o neo-realismo penetrou (Lyon de Castro, Cabrita e outros). São um não-dito da fotografia portuguesa, que por vezes continua a incomodar quem se rege por etiquetas e não por dados visíveis.
São na maior parte das vezes retratos individuais e também de grupo. Retratos directos e frontais realizados nos locais de trabalho, como que interrompendo momentaneamente a faina. Noutros casos são mesmo momentos ou situações de trabalho que se ilustram, procurando registar a dureza do esforço físico. Totalmente despidas de efeitos de luz e sombra, feitas sob o sol directo e cru, as imagens prescindem também de toda a anedota ou nota de mistério, à beira de uma impressão de banalidade que se desmente na cumplicidade dos olhares trocados, na firmeza, confiança ou dignidade dos rostos, na eficácia documental das roupas, utensílios e outros objectos visíveis, numa objectividade enxuta e tocante. A banalidade, o banal (a suspensão da arte), é um tema essencial da prática e da teoria fotográficas, que se manifestara uma década antes durante a "polémica do flagrante" e foi tendo sucessivos afloramentos (Walker Evans, a Pop, etc)
Cada fotografia é acompanhada por várias linhas de texto que ultrapassam a condição de simples legendas para fornecer informações complementares e comentar o contexto económico e social de cada situação.
Realizadas por um fotógrafo-não-fotógrafo (nem profissional, nem "amador", no sentido habitual de aficionado da arte fotográfica), que apenas por necessidade recorreu por algum tempo a um "caixote Kodak", estas fotografias suplantam o interesse das restantes imagens do livro, assinadas por um heteróclito grupo de outros autores. Essa outra muito vasta antologia fotográfica documental que ML escolhe e inclui no seu livro comprovam a forte relação com o medium (com o acesso a importantes acervos e o relacionamento com fotógrafos, ou seja, uma cultura fotográfica assinalável) para além da produção própria.
No seu recente livro (Maria Lamas, Mulher de Causas - biografia breve, ed. Município de Torres Vedras, 2017) e nos comentários que deixou escritos numa nota abaixo, José Gabriel Pereira Bastos acrescenta informações essenciais para se perceber o contexto ideológico e político, profissional e pessoal, da obra de M.L. <5>
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30 DEZ 2017
Desde 2009, pelo menos, Maria Lamas é reconhecida como uma grande fotógrafa, mesmo que de uma obra só e por um breve tempo - sem formação na área e sem ter feito exposições (a fotografia tem destes "acidentes", o que a torna ainda + interessante). O artigo de MVC ignora-o e, aliás, não chega a entender ML como fotógrafa - as fotos "parecem feitas por uma principiante", diz, e refere depois um olhar "tecnicamente principiante mas solidário com as personagens do seu livro", o que já é uma pista para entender esta obra - obra-prima de uma fotógrafa ingénua (??), mas com grande experiência da fotografia, ou outsider, se se quiser (mas é ewrrado), tão melhor que tantos profissionais e amadores com ambições de arte.
Para além de outros escritos dispersos, por duas vezes Jorge Calado levou ML a grandes exposições internacionais: expôs sete provas de época e uma prova moderna na mostra "Au Féminin", em Paris, no Centro Cultural da Gulbenkian, onde foi a artista mais representada (2009, há catálogo, esg.) e apresentou-a numa representação ibérica de apenas 10 fotógrafos na "Dubai Photo Exhibition 2016".
Basta uma pesquisa na internet para descobrir a fotógrafa Maria Lamas e, se MVC não a fez, devia ter pedido ajuda ou devia alguma comissão de avaliação científica da revista mandar o artigo para trás. MVC tem as suas áreas de competência, até como comentador político, mas neste caso a ousadia de falar do que não conhece e mal investigou não lhe correu bem. Tomemos o caso como exemplo, entre muitos outros, da descuidada compartimentação académica de saberes e da ignorância universitária. <4>
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30 dez 2017
"As Mulheres do meu País" (1948, reed. Caminho em 2002) analisados por Manuel Villaverde Cabral.
https://journals.openedition.org/cp/1970?fbclid=IwAR1GSbWVfzo27FfXifcLPsAvKtbxy8scMLFOmuS3IxeBc9v2agwWIjGN21c
VOL.12 Nº 23 | 2017
Fotografia e Propaganda no Estado Novo Português
Texto e imagem fotográfica no primeiro contra-discurso durante o Estado Novo: «As mulheres do meu país» de Maria Lamas
https://doi.org/10.4000/cp.1970
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31 dez 2017
Um pequeno livro muito recente de José Gabriel Pereira Bastos - Maria Lamas Mulher de Causas (biografia breve), ed. Município de Torres Novas, 2017, 76 pp. - e a biografia de Maria Lamas por Maria Antónia Fiadeiro (Quetzal 2003, esg.), que M. Villaverde Cabral não refere na bibliografia do seu "ensaio" (!?), ajudarão a perceber o contexto e a razão de "As Mulheres do Meu País".
Jornalista de "O Século", directora até 1947 de "Modas e Bordados" e colaboradora de "Joaninha", um "Jornal para Raparigas", onde mantém o "Correio da Tia Joaninha", Maria Lamas é afastada por Pereira da Rosa na sequência da "Exposição de Livros de Mulheres de Todo o Mundo", que abriu e foi encerrada na SNBA - Maria Lamas levou a tribunal a ordem de encerramento. É um agitado pós-guerra, em que o regime vacila.
Essencial é também a leitura política de José Neves em "Comunismo e Nacionalismo em Portugal", Tinta da China 2008, onde o cap. 15 ("O País das Mulheres de Maria Lamas") é dedicado a ML e constitui uma leitura pioneira, embora apenas num plano ideológico e sem parecer dar(-)se conta da importância da fotografia (a dela e a dos outros) - vinda de O Século, M.L. tem um vasto acesso a acervos fotográficos - , bem como da riqueza da relação entre imagens e legendas, de que aliás transcreve alguns casos. <3>
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30 dez 2017 <2>
"As Mulheres do meu País" (1948, reed. Caminho em 2002) analisados por Manuel Villaverde Cabral.
Texto e imagem fotográfica no primeiro contra-discurso durante o Estado Novo: «As mulheres do meu país» de Maria Lamas
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30 dez 2017
(em acesso livre) Trata-se de fotografia e só às vezes de fotógrafos (descortinar o Elmano Cunha e Costa não é fácil...); e Propaganda é um termo de uso questionável, porque até 1940-45, II Guerra, ainda não se distinguia de Informação - daí a passagem de SPN a SNI, que não é cosmética. Daí a SPP SOCIEDADE PROPAGANDA DE PORTGAL que incluía a Propaganda-Informação e a vertente da "Arte Fotográfica" entre aas suas secções. O título "Fotografia, Informação e Propaganda" seria mais correcto (mas há ainda pouca informação e muita pressa de ocupar os terrenos da Universidade...) #OPaisdeMariaLamas #MariaLamas
Vol.12 nº 23 | 2017 - "Comunicação Pública"
Fotografia e Propaganda no Estado Novo Português
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31 dez 2017
Um pequeno livro muito recente de José Gabriel Pereira Bastos - Maria Lamas Mulher de Causas (biografia breve), ed. Município de Torres Novas, 2017, 76 pp. - e a biografia de Maria Lamas por Maria Antónia Fiadeiro (Quetzal 2003, esg.), que M. Villaverde Cabral não refere na bibliografia do seu "ensaio" (!!!), ajudarão a perceber o contexto e a razão de "As Mulheres do Meu País".
Jornalista de "O Século", directora até 1947 de "Modas e Bordados" e colaboradora de "Joaninha", um "Jornal para Raparigas", onde mantém o "Correio da Tia Joaninha", Maria Lamas é afastada por Pereira da Rosa na sequência da "Exposição de Livros de Mulheres de Todo o Mundo", que abriu e foi encerrada na SNBA - Maria Lamas levou a tribunal a ordem de encerramento. É um agitado pós-guerra, em que o regime vacila.
Essencial é também a leitura política de José Neves em "Comunismo e Nacionalismo em Portugal", Tinta da China 2008, onde o cap. 15 ("O País das Mulheres de Maria Lamas") é dedicado a ML e constitui uma leitura pioneira, embora apenas num plano ideológico e sem parecer dar(-)se conta da importância da fotografia (a dela e a dos outros) - vinda de O Século, M.L. tem um vasto acesso a acervos fotográficos - , bem como da riqueza da relação entre imagens e legendas, de que aliás transcreve alguns casos.