Sobre "As Idades do Mar", Fundação Gulbenkian, de 26 out 2012 a 27 jan 2013
É uma exposição de uma rara dimensão, que sucede com brio às duas mostras dedicadas à natureza-morta, a confirmar que a Fundação Gulbenkian voltou a assumir um lugar central entre as estruturas culturais do país, depois de anos de concorrência movida por Serralves, o CCB, a Culturgest (esta em anos já longínquos) - e mesmo de apagamento. Depois de se rever um género (a natureza-morta), revisita-se um tema, o mar, ou os múltiplos temas que se associam ao mar. São as imagens do mar, a que se chamam "as idades do mar", mas sabendo que estas, as idades, não se substituem ou sucedem, e que as imagens se somam, se acrescentam. Mesmo as imagens (a idade) dos mitos, 1º capítulo da mostra, não deixaram de poder ser contemporâneas.
Trata-se mesmo de uma exposição mais ambiciosa do que as dedicadas à natureza-morta, porque não se pratica uma abordagem escolar da história de um género (e a respectiva 2ª parte era escolarmente muito discutível, ou convencional). A perspectiva é exploratória, guiada apenas pelo gosto pessoal de explorar um tema amplo e plural, que tem alguns pontos obrigatórios de passagem, mas é geral se presta a muito diversos interesses e valorizações, sem roteiro prefixado. Por outro lado, dispensou-se aqui o comissariado de qualquer académico internacional, mais ou menos especializado, para o plano e as operações árduas da selecção e cedência das obras serem da responsabilidade do director do Museu Gulbenkian, João Castel-Branco. Com isso são também a Fundação e o Museu que se projectam a uma altura inédita.
Surpreende a quantidade das obras reunidas (108), que alguns dirão excessiva, dados os hábitos instalados do desinteresse e da preguiça. Há felizmente muitas obras, vindas de muitas instituições e colecções, com destaque para o Museu d'Orsay, o Prado, o Louvre, vários museus alemães e outros franceses ou belgas menos conhecidos. E a montagem, agora mais económica, o que está bem, resolve com acerto a quantidade das peças, construindo um perrcurso em capítulos, ao mesmo tempo que explora muito bem a qualidade maior de certas obras para com elas estabelecer sentidos de leitura, destacar casos de excelência, traçar pistas relacionais.
Não é a evolução (ou progresso?) da arte que aqui se traça, no habitual caminho redutoramente escolar da sucessão-substituição dos estilos, até - segundo se apreguou - à diluição oi impossibilidade da figura e à descoberta (?) da abstracção. Não é o caminho do tempo que se pretendeu unívoco e linear que aqui se afirma, cumprindo as vulgatas do academismo novecentista. Importa aqui, ao contrário das abordagens formalistas, o mar e o céu, as costas marítimas, que são rochedos (propícios aos naufrágios) ou praias (com veraneantes), os barcos - de guerra, de comércio, de transporte, de pesca, de recreio -, as actividades que do mar se sustentam (a pesca, a apanha de conchas, etc.), a tempestade e a calmaria. Importa aqui percorrer as imagens, os temas, os tópicos, os motivos de cada obra, e as partes, os pormenores de cada obra. E não se trata de um roteiro de celebridades, que são muitas - há também, excelentes ou curiosas, as obras dos artistas de segunda linha, dos artistas de países menos centrais e de itinerários menos mediatizados.Os artistas desconhecidos e as obras desconhecidas de grandes nomes.
Por exemplo, os espanhóis, com os quais (presentes e ausentes) se faria uma outra grande exposição dedicada ao mar. Sorolla e Pinazo, seu antecessor.
Square Rock, Ogunquit, 1914. Edward HOPPER (1882-1967)
Óleo sobre tela 61,6 x 74,3 cm Whitney Museum of American Art, New York Josephine N. Hopper Bequest
(Robert E. Mates © Heirs of Josephine N. Hopper, licensed by the Whitney Museum of American Art)
A Onda, 1889. Gustave COURBET (1819-1877)
Óleo sobre tela 71,5 x 116,8 cm Musée d'Art moderne André Malraux, Le Havre
(Musée d'Art moderne André Malraux, MuMa, Le Havre © Charles Maslard)
A Evasão de Rochefort, 1881. Édouard MANET (1832-1883)
Óleo sobre tela, 80 x 73 cm. Paris, Musée d’Orsay
(Paris, musée d’Orsay © 2012. White Images/Scala, Florence)
Sereias, 1875. Arnold Böcklin (1827-1901)
Têmpera sobre tela 46 x 31 cm. Staatliche Museen zu Berlin, Nationalgalerie.
(Andres Kilger ©2012. Photo Scala, Florence/BPK, Bildagentur für Kunst, Kultur und Geschichte, Berlin)
Figura de Branco, Biarritz, 1906. Joaquín SOROLLA y Bastida (1863-1923)
Óleo sobre tela 63 x 91,5 cm. Museo Sorolla, Madrid
Batalha de Lepanto, 7 de Outubro de 1571, c. 1573. Anónimo (Monogramista «H»)
Óleo sobre tela 127 x 232,4 cm. National Maritime Museum, Greenwich, Londres © 2012. National Maritime Museum, London/Photo Scala, Florence
Hôtel des Roches Noires. Trouville, 1870. Claude MONET (1840-1926)
Óleo sobre tela 81 x 58 cm Paris, musée d’Orsay, doação de Jacques Laroche, 1947
(Paris, Musée d’Orsay. © 2012. Photo Scala, Florence)
Migração de Patos, 1924. Johannes Larsen, Dinamarca (1867-1961)
Óleo sobre tela 182 x 262 cm Folketinget, Copenhaga
(SMK Foto. Statens Museum for Kunst © Johannes Larsen, Copy-Dan, 2012)
Naufrágio Numa Costa Rochosa, 1757. Carlo BONAVIA (activo em Nápoles, 1751-1788)
Óleo sobre tela 125 x 205 cm. Colección Santander
Paisagem com o Embarque de Santa Paula Romana em Óstia. Claude LORRAIN (1604/1605-1682)1639-1640. Óleo sobre tela, 211 cm x 145 cm. Museo Nacional del Prado, Madrid ©
Regresso dos Barcos de Pesca, 1895. Hendrik Willem Mesdag (1831-1915)
Óleo sobre tela 130 x 100 cm. Colecção Gemeentemuseum, Haia, Holanda.
"A partir do dia 26 de Outubro, o Museu Gulbenkian apresenta uma exposição centrada nas representações físicas e simbólicas do Mar ao longo de quatro séculos da pintura ocidental (séculos XVI-XX), por artistas como Turner, Friedrich, Ingres, Guardi, Bocklin, Constable, Lorrain, Monet, Courbet, Klee, Dufy, De Chirico, Manet ou Van Goyen, entre muitos outros. A pintura portuguesa estará representada por nomes como Amadeo, Vieira da Silva, Sousa Lopes, Noronha da Costa, António Carneiro ou João Vaz.
Com curadoria de João Castel-Branco Pereira, diretor do Museu Gulbenkian, As Idades do Mar reúne 108 obras vindas de meia centena de instituições nacionais e estrangeiras e conta com mais de uma dezena de peças da coleção do Museu d’Orsay.
A abrir a exposição estará "A Largada do Bucentauro" de Francesco Guardi, obra pertencente à coleção do Museu Gulbenkian e que sintetiza as linhas programáticas da mostra representando um ritual que se cumpria anualmente na cidade de Veneza que simbolizava o casamento entre a Terra e o Mar.
A exposição desenvolve-se, a partir daí, em seis núcleos distintos: A Idade dos Mitos, A Idade do Poder, A Idade do Trabalho, A Idade das Tormentas, A Idade Efémera e a Idade Infinita."