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MENEZ: entrevista 1990

MENEZ: antes das palavras
Como fala um pintor daquilo que pinta, se detesta o marketing das teorias e das poses, se recusa o cerco dos nomes e a aparência mais fácil das coisas? Menez acaba de ser distinguida com o Prémio Pessoa 90 e a sua pintura oferece-se numa admirável retrospectiva apresentada na Gulbenkian.
Entrevista de Inês Pedrosa e Alexandre Pomar, Expresso Revista de 22 de dezembro de 1990.

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QUASE todos os quadros dela se chamam «Sem Título», porque não se podem chamar. Ela não quer dar-lhes nomes, compreendê-los, cercá-los. Ama demasiado a pintura, teme tranquilamente as palavras. Não quer dizer nada que assuste os segredos da vida.
Lá em baixo há espíritos em animado bulício; a Fraternidade Espírita Cristã reúne-se fragorosamente. Menez não se incomoda muito, prefere o barulho das cidades ao absoluto silêncio do campo. Qualquer cidade lhe serve, desde que não se pareça a Washington D.C. E que tenha luz – aqui, na Rua da Saudade, na Costa do Castelo, a luz vem do rio, inteiro, para lá da janela.
O telefone não pára de tocar: Menez gasta o seu stock anual de «obrigada» por conta do Prémio Pessoa. Os pequenos comércios vizinhos espantam-se e alegram-se com ela: «Uma senhora tão simples, e afinal com tanto valor!» Surgem logo vozes sábias, explicando que o valor é sempre inversamente proporcional à vaidade. Mas Menez é vaidosa de outra maneira, vaidosa de dentro para fora, atenta aos mínimos sinais de și.

Maria Inês Ribeiro da Fonseca nasceu em Lisboa, a 6 de Setembro de 1926. Cresceu fora das escolas, na atmosfera internacional e leve dos diplomatas. Entre os dois e os 24 anos, sempre com o intervalo certo dos meses de Verão em Cascais, viveu em Buenos Aires, Estocolmo, Paris, Suíça, Roma e Washington, claro. Não se esperava dela mais do que o suave culto das aparências, a beleza etérea de uma aparição. Ainda hoje Menez guarda nos gestos, no jeito de conversar, a memória dessa educação. Mas os olhos traíam-lhe, traem-lhe, outras inquietações, e subitamente ela começou a pintar. A pintar a sério, como se vivesse no mundo.
Foi em 1953, e um ano depois expunha pela primeira vez. Não parou desde então, dispersando os desenhos e as pinturas que agora voltaram para preencher a grande sala da Gulbenkian. Não parou também de crescer e transformar-se como pintora, desde uma situação que se viu primeiro como luminoso e lírico exercício de «abstracção» até à surpresa recente, por volta de 1985, do desvendar dos seus temas e do revisitar de modelos antigos da pintura que são as suas séries sobre a «Descida da Cruz» ou «S. Jorge e o Dragão», as suas naturezas mortas, os «ateliers», as alegorias das Três Idades, etc. Mas não paremos nós, os espectadores, perante as aparências dos nomes ou a parecença das coisas. «Nesse mundo em que o canto nasce antes da palavra, lavram os poderes da evocação”, disse de Menez outro pintor.
A retrospectiva, depois o Prémio, obrigaram-na a ceder às entrevistas. Menez detesta-as tanto como às formalidades dos impostos ou dos bilhetes de identidade. Não gosta de falar da sua pintura, mas no entanto ela fala... FOTOS do filme MENEZ, de Teresa Marta, 1990, em exibição no Atelier-Museu Júlio Pomar

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