Era uma vez um museu chamado de Arte Popular
Há muito, muito tempo houve em Belém a Exposição do Mundo Português, que, por entre discursos e desfiles, mastros e bandeiras, fontes e lagos, teve seis pavilhões dedicados à "Vida Popular", concebidos pelos arquitectos Veloso Reis Carmelo e João Simões e decorados por artistas como Carlos Botelho, Estrela Faria e Eduardo Anahory, alavancando (como agora se diz) aquilo que fora ensaiado alguns anos antes em Genebra na Exposição de Arte Popular Portuguesa. A partir daí, os visionários António Ferro (SNP/SNI) e Duarte Pacheco (Obras Públicas) haveriam de conseguir que daqueles pavilhões provisórios nascesse um Museu de Arte Popular: em 1941, foi lançado um concurso público no âmbito do Plano de Obras da Praça do Império e da marginal de Belém, que compreendia a "adaptação e modificação dos Pavilhões da Secção Etnográfica Metropolitana a Museu de Arte Popular". Em 1944, a decoração interior seria entregue a Jorge Segurado. Em 1948, eis o Museu de Arte Popular, vulgo MAP!
O MAP, fisicamente falando, resultou da junção de vários paralelepípedos, assimétricos, provisórios, feitos de uma alvenaria mista que lhe dá um ar vernacular, naïf, mas que se enquadra perfeitamente naquele palco cénico da magnífica esplanada sobre o Tejo, que vai do Padrão ao "Espelho de Água" (outro edifício efémero de 1940), e, mais recentemente, ao luso-nipónico Jardim das Cerejeiras. Uma arquitectura modernista, extremamente funcional, com espaços preocupados com o futuro programa expositivo. As colecções cobriam todas as regiões do país e ocupavam cada uma das suas cinco salas, decoradas a preceito por alguns dos mais famosos artistas à época.
Mas nada disso serviu de muito nas últimas décadas, dadas as múltiplas tentativas de extinção por que passou o MAP, quiçá por força de um (in)compre-ensível mas celerado revisionismo histórico, ou porque a um país supostamente desenvolvido não se lhe possa "perdoar" qualquer memória rural, serôdia, pacóvia.
Assim, nos últimos 20 anos andaram aos engulhos para o classificarem (merecidamente) Monumento de Interesse Público - o processo abriu em 1991 e encerrou em 2012 -, quiseram demoli-lo para construírem algo mais "moderno", tentaram cobri-lo por um cubo de vidro e recheá-lo de imagens virtuais, tapando as reais (réplica do Museu do Língua do "país irmão"). E não fora o movimento de cidadania de 2009 pela sua manutenção e a esta hora não havia nem edifício nem classificação, apenas peças açambarcadas por terceiros. Chegados aqui, chego ao essencial, que importa alguém esclareça:
1. A que propósito, quando acabaram as obras co-financiadas por Bruxelas (no pressuposto de o serem para o museu) e o MAP voltou a ter directora, o espólio do MAP continuou sob custódia do Museu de Etnologia (coisa diferente de Arte Popular)?
2. Quem impede o regresso do espólio ao MAP e a sua musealização in situ? Como é possível que tantos anos depois de uma luta pela afirmação da Arte Popular como autónoma da Etnologia o destino daquela sejam as reservas (vulgo, catacumbas) desta última, a modos que em "despojo de guerra" entre antropólogos?
3. A que propósito se quer agora novamente extinguir o MAP, anunciando-se que vai ser transformado em algo a concessionar em "projeto" a sujeitar a "concurso de ideias"? Que "petróleo" haverá nas profundezas do MAP?
4. Então, depois de o país ter usado as verbas da UE na sua recuperação, depois da guerra ganha ao tal "Museu do Mar da Língua", depois de o MAP estar classificado de Interesse Público, depois de se ter prometido publicamente a sua reinstalação; agora, que já se percebeu que o "regional" está na berra e é uma mais-valia em todos os sentidos (vide os êxitos de Joana Vasconcelos, as lojas revivalistas de artigos portugueses de antanho, etc.), mais a mais naquele local magnífico (e o Espelho de Água por repensar), é agora que se pretende acabar de vez com o MAP?
O MAP é um museu, compreende um edifício (classificado e concebido para museu) e um espólio (anexado por terceiros), pelo que tudo quanto não for feito para o mantermos enquanto tal, reinstalando-o e programando-o de forma a dá-lo a conhecer cada vez mais, será um atentado ao património e um apagar da memória colectiva, para já não dizer uma falta de vergonha imensa.
Membro do movimento cívico Fórum Cidadania Lisboa
ARTIGO DO PÚBLICO DE 24 de Abril de 2013:
Governo aberto a propostas para criar projecto no Museu de Arte Popular até 2014
O secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, afirmou esta quarta-feira, no parlamento, que está aberto a propostas dos agentes culturais para criar um projecto no Museu de Arte Popular, em Lisboa, até ao final de 2014.
O governante respondia na Assembleia da República a perguntas dos deputados da Comissão de Educação, Ciência e Cultura sobre a situação do Museu de Arte Popular (MAP), em Belém, cujo espólio se encontra agora no Museu Nacional de Etnologia (MNE).
No final da audição parlamentar, em declarações à agência Lusa, o secretário de Estado irá ouvir agentes culturais interessados em criar projectos para o museu localizado em Belém.
“O destino do museu não será um projecto museológico”, disse Jorge Barreto Xavier, acrescentando que o acervo, cujo edifício tem uma classificação de interesse público, “está a salvo no Museu Nacional de Etnologia, devidamente qualificado e classificado”.
Apesar de não possuir acervo actualmente, o MAP está aberto ao público de quarta-feira a domingo com uma pequena exposição sobre as suas origens, quando foi criado para a Exposição do Mundo Português, em 1940.
“Queremos ter um projecto para o museu até finais de 2014”, disse o secretário de Estado da Cultura à Lusa, sublinhando que “deve estar aberto à sociedade civil”.
O edifício do MAP foi classificado como monumento de interesse público pela Secretaria de Estado da Cultura (SEC) em Junho do ano passado devido ao testemunho historiográfico e arquitectónico “de primeira importância” no país.
A classificação foi publicada nessa altura em Diário da República na portaria n.º 263/2012, fixando uma Zona Especial de Protecção (ZEP) em redor do edifício, abrangendo o Padrão dos Descobrimentos, o edifício do “Espelho de Água”, o edifício da Associação Naval de Lisboa e a Doca de Belém.
O edifício do MAP resulta da adaptação de antigos Pavilhões da Vida Popular, integrados no conjunto construído para a Exposição do Mundo Português de 1940.
Na altura, na decisão da SEC pesaram “o valor estético e material intrínseco, o génio dos respectivos criadores, o interesse como testemunho notável de vivências ou factos históricos, a sua concepção arquitectónica, urbanística e paisagista, e o que nele se reflecte do ponto de vista da memória colectiva”.
Inaugurado em 1948, oito anos após a Exposição do Mundo Português, o MAP tinha um acervo de cerca de 15 mil peças de actividades artesanais populares, desde cerâmica, brinquedos a cestaria, que se encontra guardado no MNE.
No interior do MAP, mantêm-se as pinturas murais criadas nos anos 1940 pelos artistas Manuel Lapa, Eduardo Anahory, Carlos Botelho, Estrela Faria e Paulo Ferreira.
O museu esteve para ser transformado em Museu da Língua Portuguesa, por iniciativa da então ministra da Cultura Isabel Pires de Lima, mas, depois da acção de um movimento cívico a favor da preservação do espaço simbólico, acabou por manter a finalidade original de albergar a arte popular do país.
Encerrado durante vários anos para obras de remodelação no interior, reabriu em Dezembro de 2010.