Artigo sobre o MAP, alertando-se mais uma vez sobre uma situação imprópria, num local privilegiado de Belém.
Era uma vez um museu chamado de Arte Popular
Paulo Ferrero
22/09/2013 - 00:00
Há muito, muito tempo houve
em Belém a Exposição do Mundo Português, que, por entre discursos e
desfiles, mastros e bandeiras, fontes e lagos, teve seis pavilhões
dedicados à "Vida Popular", concebidos pelos arquitectos Veloso Reis
Carmelo e João Simões e decorados por artistas como Carlos Botelho,
Estrela Faria e Eduardo Anahory, alavancando (como agora se diz) aquilo
que fora ensaiado alguns anos antes em Genebra na Exposição de Arte
Popular Portuguesa. A partir daí, os visionários António Ferro (SNP/SNI)
e Duarte Pacheco (Obras Públicas) haveriam de conseguir que daqueles
pavilhões provisórios nascesse um Museu de Arte Popular: em 1941, foi
lançado um concurso público no âmbito do Plano de Obras da Praça do
Império e da marginal de Belém, que compreendia a "adaptação e
modificação dos Pavilhões da Secção Etnográfica Metropolitana a Museu de
Arte Popular". Em 1944, a decoração interior seria entregue a Jorge
Segurado. Em 1948, eis o Museu de Arte Popular, vulgo MAP!
O MAP,
fisicamente falando, resultou da junção de vários paralelepípedos,
assimétricos, provisórios, feitos de uma alvenaria mista que lhe dá um
ar vernacular, naïf, mas que se enquadra perfeitamente naquele
palco cénico da magnífica esplanada sobre o Tejo, que vai do Padrão ao
"Espelho de Água" (outro edifício efémero de 1940), e, mais
recentemente, ao luso-nipónico Jardim das Cerejeiras. Uma arquitectura
modernista, extremamente funcional, com espaços preocupados com o futuro
programa expositivo. As colecções cobriam todas as regiões do país e
ocupavam cada uma das suas cinco salas, decoradas a preceito por alguns
dos mais famosos artistas à época.
Mas nada disso serviu de muito
nas últimas décadas, dadas as múltiplas tentativas de extinção por que
passou o MAP, quiçá por força de um (in)compre-ensível mas celerado
revisionismo histórico, ou porque a um país supostamente desenvolvido
não se lhe possa "perdoar" qualquer memória rural, serôdia, pacóvia.
Assim,
nos últimos 20 anos andaram aos engulhos para o classificarem
(merecidamente) Monumento de Interesse Público - o processo abriu em
1991 e encerrou em 2012 -, quiseram demoli-lo para construírem algo mais
"moderno", tentaram cobri-lo por um cubo de vidro e recheá-lo de
imagens virtuais, tapando as reais (réplica do Museu do Língua do "país
irmão"). E não fora o movimento de cidadania de 2009 pela sua manutenção
e a esta hora não havia nem edifício nem classificação, apenas peças
açambarcadas por terceiros. Chegados aqui, chego ao essencial, que
importa alguém esclareça:
1. A que propósito, quando
acabaram as obras co-financiadas por Bruxelas (no pressuposto de o serem
para o museu) e o MAP voltou a ter directora, o espólio do MAP
continuou sob custódia do Museu de Etnologia (coisa diferente de Arte
Popular)?
2. Quem impede o regresso do espólio ao MAP e a sua musealização in situ?
Como é possível que tantos anos depois de uma luta pela afirmação da
Arte Popular como autónoma da Etnologia o destino daquela sejam as
reservas (vulgo, catacumbas) desta última, a modos que em "despojo de
guerra" entre antropólogos?
3. A que propósito se quer
agora novamente extinguir o MAP, anunciando-se que vai ser transformado
em algo a concessionar em "projeto" a sujeitar a "concurso de ideias"?
Que "petróleo" haverá nas profundezas do MAP?
4. Então,
depois de o país ter usado as verbas da UE na sua recuperação, depois da
guerra ganha ao tal "Museu do Mar da Língua", depois de o MAP estar
classificado de Interesse Público, depois de se ter prometido
publicamente a sua reinstalação; agora, que já se percebeu que o
"regional" está na berra e é uma mais-valia em todos os sentidos (vide
os êxitos de Joana Vasconcelos, as lojas revivalistas de artigos
portugueses de antanho, etc.), mais a mais naquele local magnífico (e o
Espelho de Água por repensar), é agora que se pretende acabar de vez com
o MAP?
O MAP é um museu, compreende um edifício (classificado e
concebido para museu) e um espólio (anexado por terceiros), pelo que
tudo quanto não for feito para o mantermos enquanto tal, reinstalando-o e
programando-o de forma a dá-lo a conhecer cada vez mais, será um
atentado ao património e um apagar da memória colectiva, para já não
dizer uma falta de vergonha imensa.
Membro do movimento cívico Fórum Cidadania Lisboa
ARTIGO DO PÚBLICO DE 24 de Abril de 2013:
http://www.publico.pt/cultura/noticia/governo-aberto-a-propostas-para-criar-projecto-no-museu-de-arte-popular-ate-2014-1592406
Governo aberto a propostas para criar projecto no Museu de Arte Popular até 2014
Lusa
24/04/2013 - PÚBLICO
O secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto
Xavier, afirmou esta quarta-feira, no parlamento, que está aberto a
propostas dos agentes culturais para criar um projecto no Museu de Arte
Popular, em Lisboa, até ao final de 2014.
O governante
respondia na Assembleia da República a perguntas dos deputados da
Comissão de Educação, Ciência e Cultura sobre a situação do Museu de
Arte Popular (MAP), em Belém, cujo espólio se encontra agora no Museu
Nacional de Etnologia (MNE).
No final da audição parlamentar, em
declarações à agência Lusa, o secretário de Estado irá ouvir agentes
culturais interessados em criar projectos para o museu localizado em
Belém.
“O destino do museu não será um projecto museológico”,
disse Jorge Barreto Xavier, acrescentando que o acervo, cujo edifício
tem uma classificação de interesse público, “está a salvo no Museu
Nacional de Etnologia, devidamente qualificado e classificado”.
Apesar
de não possuir acervo actualmente, o MAP está aberto ao público de
quarta-feira a domingo com uma pequena exposição sobre as suas origens,
quando foi criado para a Exposição do Mundo Português, em 1940.
“Queremos
ter um projecto para o museu até finais de 2014”, disse o secretário de
Estado da Cultura à Lusa, sublinhando que “deve estar aberto à
sociedade civil”.
O edifício do MAP foi classificado como
monumento de interesse público pela Secretaria de Estado da Cultura
(SEC) em Junho do ano passado devido ao testemunho historiográfico e
arquitectónico “de primeira importância” no país.
A classificação
foi publicada nessa altura em Diário da República na portaria n.º
263/2012, fixando uma Zona Especial de Protecção (ZEP) em redor do
edifício, abrangendo o Padrão dos Descobrimentos, o edifício do “Espelho
de Água”, o edifício da Associação Naval de Lisboa e a Doca de Belém.
O
edifício do MAP resulta da adaptação de antigos Pavilhões da Vida
Popular, integrados no conjunto construído para a Exposição do Mundo
Português de 1940.
Na altura, na decisão da SEC pesaram “o valor
estético e material intrínseco, o génio dos respectivos criadores, o
interesse como testemunho notável de vivências ou factos históricos, a
sua concepção arquitectónica, urbanística e paisagista, e o que nele se
reflecte do ponto de vista da memória colectiva”.
Inaugurado em
1948, oito anos após a Exposição do Mundo Português, o MAP tinha um
acervo de cerca de 15 mil peças de actividades artesanais populares,
desde cerâmica, brinquedos a cestaria, que se encontra guardado no MNE.
No
interior do MAP, mantêm-se as pinturas murais criadas nos anos 1940
pelos artistas Manuel Lapa, Eduardo Anahory, Carlos Botelho, Estrela
Faria e Paulo Ferreira.
O museu esteve para ser transformado em
Museu da Língua Portuguesa, por iniciativa da então ministra da Cultura
Isabel Pires de Lima, mas, depois da acção de um movimento cívico a
favor da preservação do espaço simbólico, acabou por manter a finalidade
original de albergar a arte popular do país.
Encerrado durante vários anos para obras de remodelação no interior, reabriu em Dezembro de 2010.