As fotografias de Paulo Nozolino reencontram-se cada vez mais com o sentimento da catástrofe que marcou, como premonição ou como desafio, a arte de vanguarda dos primeiros anos do século XX, carregando consigo a ideia de que o mundo é intolerável (usando aqui palavras de Hobsbawm). Mais do que da construção de um testemunho factual, localizado e cronológico, até porque as legendas são dispensadas, trata-se de propor um inventário global do mundo que é já um ponto de chegada e também ponto de não retorno.
O fotógrafo não é um observador exterior aos caminhos que percorre ou ao que vê e documenta, mas alguém que sofre com o sofrimento do mundo e da história, e que, aliás, também o expressa através dos textos que acompanham os seus livros (os seus e dos poetas a que se associa) ou das entrevistas que de imediato prescrevem o modo de ler o seu trabalho. A solidão do autor é a de alguém que (ainda) sobrevive às catástrofes da história e à erosão de todos os mitos e que se identifica com a desesperança que se abate sobre o mundo. Agora testemunha errante, condenado à errância solitária, e já não a testemunha em fuga dos seus inícios. Não se trata já de fotografia de viagem (a qual foi a primeira imagem de marca do autor, e o tema do seu workshop de Arles em 1986): não há caminhos livres e tudo está em toda a parte - mas como "nada", título de uma primeira mostra antológica em Paris (2002). E a dimensão autobiográfica do que era um itinerário intimista pelo mundo (que associava Nozolino a outros fotógrafos como Bernard Plossu e Max Pam - como observa Claude Nori no seu recente La Photographie en France, Flammarion 2008 - foi trocada, ou confundida, com uma constatação fatal de que não há mudança, e, mais precisamente, de que nunca houve um pós-guerra. Identificar o sentido de uma obra com o (sem) sentido do mundo e da vida, e identificar tudo isso com a própria existência do autor (ou artista) pode ser, ao mesmo tempo, uma condenação e uma extrema ambição. Sem a distância que se recomenda ao testemunho e sem a arma segurizante da ironia trata-se de uma descida aos infernos.
Entretanto, a presente exposição constitui uma surpresa face aos passos anteriores de Nozolino, radicalizando-lhes o sentido, e é também uma recusa face às expectativas dos seus espectadores. Trata-se de facto de uma instalação onde as 32 fotografias expostas se alinham numa parede única, negra, quase sem intervalos entre si. A instalação de um livro a publicar, alinhando as páginas (sempre ao alto) impressas em pequeno formato (25,5 x 17,7 cm), em provas únicas que só se poderão adquirir em conjunto. Desapareceram legendas e datas que situem as imagens e que as permitam recuperar como informação. Desapareceram os dípticos e trípticos dos últimos anos, sem estar ausente a sequência escolhida das imagens e o seu ritmo. Desapareceram os negros brilhantes, exactos e profundos, em que se recortavam algumas manchas de luz, ou as núvens de cinzas onde se ampliava a matéria da fotografia. É provável que surja agora ao espectador a nostalgia das anteriores grandes provas magnificas que às vezes se agrupavam em painéis múltiplos. As provas (sempre inéditas, mas por vezes próximas de outras fotografias antes escolhidas) são também quase sempre imprecisas e imperfeitas, cinzentas e sujas, ao contrário do que foi apanágio do fotógrafo, nas suas admiráveis imagens escurecidas até ao limiar da invisibilidade, atravessadas pelas lâminas de luz. Mas trata-se agora de suster o espectáculo da miséria e da guerra, de travar a possível tentação formalista em que a exibição da dor se recupera ainda como exercício da beleza. Estas provas escaparam aos desastres da história e do presente, mas não existe redenção artística para a impureza do mundo.
Sabe-se que as datas das fotografias vão de 1976 a 2008, percorrendo-se em 32 imagens outros tantos anos de trabalho, de criação ou de vida. É um dado que reforça a identificação do autor e da obra, e das fotografias como auto-retrato mesmo que tenha desaparecido a ideia de itinerário íntimo.