Quatro exposições mostram actualmente fotografias de Victor Palla. É uma coincidência que deve ser sublinhada, e que corresponde quer à crescente projecção do livro que editou com Costa Martins em 1958-59, quer à divulgação de obras inéditas no leilão do seu espólio que a P4 Photography realizou em 2008, alterando profundamente o que se conhecia da sua carreira como fotógrafo.
Sem Título (bailarina e cadeiras), c. 1954. Colecção CAM
No Centro de Arte Moderna expõe-se agora uma prova vintage de c. 1954; no Centro Cultural de Belém mostra-se o livro Lisboa, Cidade Triste e Alegre, mais duas fotografias (Lisboa, c. 1955) cedidas pela Colecção Fundação PLMJ; no Museu do Neo-Realismo de Vila Franca de Xira apresentam-se cinco fotografias inéditas, datadas dos anos 50 e muito recentemente impressas para a colecção do Museu do Chiado). Na galeria P4 Photography exibe-se um conjunto de provas de autor de diversas épocas, desde os trabalhos experimentais de inícios dos anos 50 até 1984 (retratos mostrados na "Objectiva'84", da Festa do Avante). E também é na P4 que vai ter lugar na noite de dia 20, 6ª feira, às 21h30, um encontro-debate sobre Victor Palla.
1
A montagem da colecção do CAM feita pelo artista austríaco Heimo Zobernig (até 24 de Maio) inclui pela primeira vez uma fotografia adquirida por Jorge Molder na sequência do leilão da P4 Photograpyh (29 de Maio de 2008). Designada como Sem Título (bailarina e cadeiras), é o retrato de uma filha do fotógrafo-arquitecto <CORRECÇÃO: não, não é uma das filhas, é mesmo uma bailarina contratada para servir de modelo - e assim não é propriamente um retrato> e também um exercício de composição em que o design de mobiliário (aqui uma série de cadeiras de aros de metal desenhadas por Victor Palla) enquadra a presença do modelo. É uma prova vintage de cerca de 1954, que certamente se segue aos trabalhos experimentalistas realizados com sobreposição e manipulação de negativos (c. 1952), e é anterior às fotografias de Lisboa que terá exposto pela primeira vez em 1955, na SNBA (9ª Exposição Geral de Artes Plásticas). Na mostra do CAM, onde a sequência das obras segue estritamente a cronologia, a foto de Palla está perto de quatro retratos que representam Fernando Lemos (reimpressões modernas de fotos de 1951-52) de Alexandre O'Neill, Sophia de Mello Breyner, Alberto Lacerda e Teresa corista.
Também o Museu Berardo, numa anterior montagem da sua colecção apresentara a público as seis provas vintage de c. 1952 que adquirira no referido leilão (nºs de catálogo 1 a 6).
S/t, c. 1954, agora na exp. da P4
S/t, c. 1954 (exp. P4)
Estes dois outros inéditos da mesma época estão agora expostos na P4, o primeiro com a presença das três filhas, e ambas com os modelos situados num espaço branco indefinido, um espaço abstracto, que é o terraço da casa de V.P. na Ajuda. Fazem obviamente parte de uma mesma série de pesquisas de que também se conhece a prova reproduzida abaixo, vendida no mesmo leilão.
Sem Título (mulher e cadeira), c. 1954, Col. Part.
Aqui, a figura de pé sobre um plano do solo liso e indefinido que se eleva até uma linha de horizonte elevada, com a cadeira à distância e uma intrigante diferença de escala, recorda as fotografias do japonês Shoji Ueda (e em concreto a sua série de retratos nas dunas, de 1949-50). É certamente uma coincidência de pesquisas, com afinidades ocasionais, já que a fotografia japonesa era então pouco divulgada no Ocidente - aquela série foi publicada em 1949 na revista "Camera Ars".
#
2 e 3
No CCB e no Museu do Neo-Realismo é o tempo de Lisboa, Cidade Triste e Alegre que se recorda. A exposição "Arquivo Universal" inclui o livro e duas publicações da época onde a respectiva exposição e a edição foram elogiadas: duas páginas do Século Ilustrado (de 1959, mas sem referência de data) e a crítica publicada na revista de arquitectura Binário (António Freitas, "Fotografia e realismo: a propósito da exposição de fotografia de Costa Martins e Victor Palla", Binário, Lisboa, nº 7, Outubro 1958, p. 24-26). Outros "photobooks" contemporâneos justificam o relevo que tem vindo a ser atribuído ao livro de Palla e Costa Martins no confronto internacional, enquanto as duas provas expostas (ver Em Foco, Colecção PLMJ) são aproximadas de outras fotografias portuguesas que ficaram inéditas nos anos 50, de Sena da Silva e Gerard Castello Lopes (este representado com 5 provas vintages!!), a par dos espanhóis Ramón Masats, Oriol Maspons e Carlos Pérez Siquier - o então director da revista Afal e o autor de La Chanca.
Noutro local deverão pôr-se em questão as teses defendidas por Jorge Ribalta no Guia da Exposição, sobre uma alegada "profunda ambivalência nas condições das poéticas 'neo-realistas'" em Portugal e Espanha: aponta-se aí "uma relativa coincidência formal dessa vanguarda com as imagens promovidas pelos organismos estatais de promoção do turismo" (em Portugal, a revista Panorama) e diz-se que o trabalho daqueles fotógrafos "visualiza o fenómeno do aparecimento de uma classe popular desenraizada e vitimizada na grande cidade". É sempre ideologicamente primário (os reformistas e os revolucionários...) e muito mal escrito.
Já em Vila Franca de Xira, na exp. "Batalha de Sombras", V.P. encerra o capítulo final, colocado "Sob a influência da fotografia humanista e outras derivações", com imagens desconhecidas que foram agora impressas para o Museu do Chiado, colocando-se certamente a questão da legitimidade da produção de inéditos póstumos (são escolhas "curaturiais" realizadas a partir de folhas de contactos e negativos não utilizados pelo autor). E por aí se chega à importante questão de distinguir as provas impressas e mostradas (ou não) pelo autor, as provas editadas em vida do autor (no caso de Victor Palla, as exposições da Ether, 1882 e 1989, a antologia do CAM em 1992, a colectiva "Em Foco", 2005), e as produções póstumas.
#
4
S/t, c. 1952 (exp. P4, "Platinum Age" - até dia 24)