(1) EXPRESSO 13/4/2002 "Uma colecção lusófona "
(2) EXPRESSO 4/5/2002 "Caixa económica"
(3) EXPRESSO 14-02-2004 "Novas peregrinações" A colecção CGD/Culturgest de artistas africanos
1. "Uma colecção lusófona "
EXPRESSO 13/4/2002
A Caixa Geral de Depósitos vai mostrar três anos de aquisições
«ARTE CONTEMPORÂNEA. COLECÇÃO CAIXA GERAL DE DEPÓSITO
(Inaugurações em Lisboa e Porto)
Depois de um intervalo de sete anos, a Caixa Geral de Depósitos vai voltar a apresentar publicamente a sua colecção, em duas exposições que se inauguram na próxima semana, em Lisboa e no Porto, preenchidas por cerca de 90 novas obras. As aquisições foram retomadas em Novembro de 2000, após uma paralisação de quase cinco anos, sob a administração de João Salgueiro, adoptando-se, a partir da presidência de António de Sousa, novos critérios de orientação propostos pela Culturgest, com um orçamento anual de 40 mil contos. As duas mostras correspondem às aquisições de três anos, incluindo as verbas de 2002.
Com a inauguração do núcleo a expor no Porto inicia-se também a extensão a esta cidade da programação da Culturgest, em parte do edifício da CGD na Av. dos Aliados, projectado nos anos 30 por Pardal Monteiro. Cedido no ano passado para actividades da Porto 2001, dispõe de um espaço de exposições, incluindo três casas-fortes na cave, e poderá acolher colóquios e outras sessões públicas, embora não tenha condições para espectáculos. Em 1993, foi igualmente com a primeira apresentação da Colecção CGD que se inaugurou a Culturgest em Lisboa.
A internacionalização das aquisições, com abertura aos países de língua portuguesa, surgirá como a mais evidente alteração do projecto da colecção, que já inclui um importante conjunto de artistas brasileiros e dois de Moçambique, Estêvão Mucavale e Shikhani. O acervo alargou-se também à fotografia, vídeo e instalações. Entretanto, singularizada pelo novo perfil lusófono, surgiram já solicitações para a sua apresentação no Brasil e em Espanha.
Orientada, por um período classificado como experimental, pela Culturgest - por Fátima Ramos, vice-presidente da respectiva administração, e António Pinto Ribeiro, director artístico -, sob a tutela de um administrador da CGD, a colecção passou a vocacionar-se para a criação mais recente e o acompanhamento da emergência de jovens artistas (em correspondência com o seu orçamento reduzido, que, com outras escolhas, poderia ser absorvido por uma única obra anual). A opção justificou a alteração do nome da colecção, trocando-se a designação arte moderna por arte contemporânea.
No Porto, expõem-se obras dos brasileiros Waltercio Caldas, Marcos Coelho Benjamim, Nelson Leiner, Rochelle Costi, Carmela Gross, Geraldo Barros e Caio Reisewitz (os dois últimos, fotógrafos), pintura de Jorge Martins, fotografias de Margarida Dias, Paulo Nozolino, José M. Rodrigues e Júlia Ventura, vídeo de Francisco Queiroz e instalações de Armanda Duarte e Baltazar Torres.
Em Lisboa estarão os brasileiros Lygia Pape, Tunga, José Damasceno, Leonilson, Ana Maria Tavares, Edgar Sousa, Jac Leirner, Daniel Senise, Adriana Varejão, Efrain Almeida, Walter Golfarb, Valeska Soares, Rosana Palazyan e Courtney Smith, os dois moçambicanos Estêvão Mucavale e Shikhani., mais Álvaro Lapa, Fernando Calhau, Pedro Cabrita Reis, José Pedro Croft, Pedro Portugal, Cristina Ataíde, Ilda David, Fernanda Fragateiro, Rui Serra, Fátima Mendonça, Joana Vasconcelos, Susanne Themlitz, Joana Rêgo, Leonor Antunes, Cristina Robalo, Rui Macedo, Sara Maia, Kiding (dois jovens artistas do Norte) e ainda Gérard Castello-Lopes, Graça Pereira Coutinho e João Luís Bento (fotografias).
A exposição será acompanhada pela publicação do inventário de todas as obras integradas no património da CGD desde a sua fundação em 1876, num total de 735 peças de 343 artistas (a mais antiga de 1842). Para além das peças adquiridas para decoração de instalações, cedidas em pagamento de dívidas ou com outras origens, o projecto de uma colecção de arte moderna data de 1983, inicialmente orientada por um quadro da empresa, António Nelson. Com a administração de Rui Vilar procedeu-se em 91 à reestruturação da colecção, ficando Fernando Calhau como responsável pelas aquisições, que foram expostas em 93 e 95. Por ocasião da Europália, Jorge Calado constituiu um núcleo de fotografias realizadas em Portugal por autores estrangeiros. É um novo capítulo da vida da colecção que as próximas exposições vão apresentar.
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"Caixa económica"
EXPRESSO 4/5/2002
Exposições em Lisboa e Porto mostram a nova direcção da Colecção CGD e três anos de compras
«ARTE CONTEMPORÂNEA. COLECÇÃO CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS. NOVAS AQUISIÇÕES»
(Culturgest, Lisboa e Porto, até Junho)
Na semana em que abriram as mostras simultâneas das novas aquisições da CGD, duas pinturas de Paula Rego expostas para venda em diferentes locais foram transaccionadas por cerca de 55 e 60 mil contos. Sabendo que o orçamento anual da colecção é de 40 mil contos e que a actual exposição é a soma de três anos, dispomos de elementos para identificar diferentes níveis do mercado de arte e diferentes modalidades de coleccionismo, privado e público.
A Caixa é económica nas suas compras e o modelo da colecção decorre dessa limitação, tal como acontece com a generalidade das colecções institucionais. O acompanhamento da actualidade galerística e, em especial, das emergências de novos artistas é o seu horizonte possível de actuação, sendo inacessível outra direcção mais selectiva apostada na incorporação de peças tidas por decisivas que se disputariam aos coleccionadores privados.
Assim, o que a Culturgest apresenta, na sua sede e nas instalações que inaugurou no Porto, é uma vasta exposição de «Arte Contemporânea», como indica o título e se procura conceptualizar com alguns problemáticos riscos teóricos no prefácio do catálogo. Com uma centena de obras, geralmente muito recentes, de cinco dezenas de artistas portugueses, brasileiros e moçambicanos, alargada à fotografia, ao vídeo (Francisco Queiroz, apenas) e às instalações. O que desde logo a singulariza, como exposição e apresentação da nova orientação da colecção, é essa abertura internacional que reúne artistas de língua portuguesa. É uma opção que tem o mérito de contrariar o fechamento nacional (ou a eventual «mundialização» arbitrária) de quase todas as colecções institucionais, que se articula com a atenção multiculturalista imprimida pela Culturgest à sua programação geral e que poderá favorecer a curiosidade exterior pelo acervo reunido.
Outras marcas de singularidade são reconhecíveis na exposição e no novo projecto da colecção, que além de económica é ecuménica: uma larga presença de mulheres artistas (14 em 30 nomes portugueses), talvez não por uma lógica de quotas mas como outra aposta na «diversidade cultural», e a presença significativa de artistas que se incluíram em exposições da Culturgest, como sucede com Jorge Martins, José M. Rodrigues, Armanda Duarte, Fernanda Fragateiro, Leonor Antunes, F. Queiroz.
Reconhece-se também a intenção de diferenciar esta colecção de projectos equiparáveis graças à imprevisibilidade dos nomes incluídos. Na sua deliberada diversidade cabem artistas de longo itinerário, como Álvaro Lapa, ou recentíssimas aparições, como João Luís Bento e a dupla Kiding; novas obras que se vêm juntar a núcleos já representativos na colecção, como as de J. Pedro Croft, Cabrita Reis ou F. Calhau, e outras que inauguram novas representações, como as de Rui Serra, Rui Macedo e Sara Maia; artistas sistematicamente favorecidos pelas instituições, outros que percorrem itinerários independentes e ainda outros que poderão ver-se como apostas próprias e exploratórias. Essa relativa independência face a lobies e opções críticas é uma simpática característica num universo com tendência à homogeneidade e decorrerá de a selecção estar a cargo de comissários não profissionais (Fátima Ramos e A. Pinto Ribeiro, da Culturgest).
Mas a essa positiva imprevisibilidade da selecção poderá também associar-se a suposição de algum carácter aleatório, se se considerarem nomes não incluídos nesta etapa de aquisições (Novembro de 2000-Fevereiro de 2002) que tiveram presenças destacadas no mesmo período. Uma possível lista de «faltas», de critério pessoal, incluiria pelo menos Augusto Alves da Silva, António Júlio Duarte, João Queiroz, Gil Heitor Cortesão e José Loureiro (já na colecção com obras de 94-95).
Entretanto, se as duas presenças de Moçambique, Mucavale e Shikhani, são ainda só indicativas de uma intenção, o largo panorama brasileiro, com 21 artistas, estabelece um idêntico horizonte de diversidade. Nele se incluem nomes de circulação já conhecida, como os de Geraldo de Barros (1923-98), Nelson Leirner, Lygia Pape, Tunga e Leonilsen (1957-93), e outros de recente projecção, como Caio Reisewitz ou Walter Goldfarb, enquanto vários casos prolongam trânsitos por Portugal (Daniel Senise) e também pela Culturgest (Efrain Almeida, Courtney Smith, Adriana Varejão).
A montagem, não organizada por regiões, rompe com o agora muito habitual isolamento das presenças autorais, propondo diálogos entre obras e confrontações de significados e intenções propícios a uma relação interrogativa com as criações, que certamente prolonga a própria lógica que presidiu à sua selecção (apesar de se dizer no catálogo que «a arte deixou de significar o mundo e se tornou auto-referencial»). É o que sucede, em Lisboa, logo no primeiro espaço, onde se associa um trabalho legível como pura especulação formal, de Cabrita Reis, à vontade de comentário social sugerida na impressão fotográfica de Rochelle Costi. A seguir, os cruzamentos de sentidos prolongam-se nas inquietas meditações fotográficas simétricas de Júlia Ventura e Graça Pereira Coutinho junto às contemplações negras de Calhau e Tunga; depois, nos diálogos do espectador com os espelhos reais ou imaginários de Nelson Leirner, Fátima Mendonça e Sara Maia, com passagem às referências à paisagem nas flores de Joana Rego, J. Luís Bento e Cristina Robalo.
No Porto, a Culturgest utiliza como espaço de exposições o átrio da sede da CGD (prolongado pelas quatro casas-fortes na cave), onde as qualidades arquitectónicas e decorativas do edifício projectado por Pardal Monteiro propõem um estimulante desafio de convivência com as obras. Entretanto, o catálogo reproduz imagens de todo o acervo da CGD (mais de 700 peças), de que esta já é a quarta exibição pública desde 1989. Tal como sucede com o prefácio dos comissários, que pretende ser uma reflexão teórica sobre a história da arte do século XX e a era «pós-média», aí se oferecem mais pistas para reflexão e debate.
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"Novas peregrinações"
A colecção CGD/Culturgest de artistas africanos
"Mais a Sul"
Culturgest, Porto, até 30 de Março - EXPRESSO/Actual 14-02-2004
As colecções públicas e privadas têm-se mostrado de uma flagrante monotonia; com escassas diferenças entre si, adoptam o programa sumário de seguir a actualidade nacional, ou a sua espuma, comprando jovem e barato e, em geral, o mesmo. A colecção da Caixa Geral de Depósitos, que é uma pequena colecção apesar do gigantismo da instituição, saiu da rotina quando em 1999, já sob a orientação da Culturgest, passou a ter como horizonte alargado a arte dos países de língua portuguesa. É uma opção coerente com uma programação que tem dedicado atenção à produção cultural de origens não europeias (incluindo, já em 1995, a exposição francesa «Encontros Africanos»). Por outro lado, à falta de políticas oficiais de cooperação cultural, para além de um frágil esforço de sobrevivência do espaço linguístico, é uma direcção com sentido estratégico num país que parece não resolver os complexos do seu passado colonial e que raramente pensa a cultura ou a arte como algo mais do que ostentação e desperdício.
O domínio brasileiro teve já razoável relevo na apresentação da colecção que se fez em 2002, e a vertente africana, então reduzida a dois nomes (Mucavale e Shikhani), alargou-se o bastante para se apresentar agora numa exposição própria. São 13 os artistas reunidos sob o título «Mais a Sul», seis de Moçambique, outros tantos de Angola e um de Cabo Verde, alguns com anteriores presenças entre nós e outros desconhecidos, com formação e carreiras europeias ou com circulação restrita aos países de origem, por vezes com raízes em tradições populares. Esta diversidade assegura-lhe a qualidade imediata de ser uma mostra imprevisível, onde se atravessam fronteiras que não são só geográficas e se fazem vacilar os critérios habituais de validação das obras, convidando o visitante a descobrir e interrogar o que se expõe e não a seguir um guião preestabelecido. Por sinal, é também uma mostra que suscita uma significativa afluência de público.
Ao cruzarem-se trabalhos que podem ser caucionados por padrões vindos das abordagens etnológicas com outros que ambicionam integrar-se nos circuitos de reconhecimento dos centros artísticos, que a dinâmica da globalização torna mais poderosos do que nunca, põe-se à prova o que na retórica dita multicultural e pós-colonial continua a ser uma atitude de absorção e exclusão definida «mais a Norte». Há que lamentar, entretanto, que apenas se tenha publicado um folheto reduzido a sintéticas notas biográficas, quando importaria informar sobre os contextos artísticos representados e justificar opções selectivas que foram realizadas a partir de um trabalho original de prospecção no terreno, para além de ser oportuno estruturar alguma memória sobre o que tem sido a circulação de artistas africanos em Portugal. Por outro lado, é óbvio que a criação de uma colecção deste tipo tem condições para se prolongar numa acção de intermediação internacional, orientada para os países de origem e para outros espaços geográficos, o que exige instrumentos adequados de representação.
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Estêvão Mucavale, «Montanhas de Moçambique»
Malangatana (n. 1936), que comparece com uma pintura de 1967 onde se faz referência à sua prisão política, é o mais conhecido dos artistas e dá testemunho do que foi a procura de uma possível autenticidade popular africana, transferida para a pintura com grande voluntarismo autodidacta e alguma absorção de referências do surrealismo e dos realismos fantásticos, atingindo por vezes uma dimensão plástica muito poderosa. A esse padrão de negritude oficializada, muito influente em Moçambique, escapam as paisagens transfiguradas, desertas e monocromas de Estêvão Mucavale (n. 1941), pintor de origem «naïf» que se profissionalizou na África do Sul, e também as figuras esculpidas em barro por Reinata Sadimba (n. 1945), artesã de etnia maconde que desenvolveu uma obra visionária e original de grande interesse. Shikhani (n. 1934) é outro artista com identidade própria.
O único representante de Cabo Verde, Tchalé Figueira (n. 1953), é um pintor com estudos artísticos em Basileia, já com anteriores exposições em Lisboa (na Galeria Novo Século), que imprimiu à sua temática africana referências dos neo-expressionismos dos anos 80, com apreciável fluência.
O panorama angolano que se expõe é muito marcado pela diáspora, mostrando uma pluralidade de direcções de trabalho individual. Fernando Alvim (n. 1963), com carreira feita a partir da Bélgica, é o artista mais conhecido, documentando-se aqui a passagem de uma pintura com qualidades à instalação, numa peça que transporta outros estereótipos culturais. Miguel Petchkovsky (n. 1956), que estudou em Portugal e em Amsterdão, na Rietveld Academie, igualmente cineasta, e Alex (n. 1974), pintor também com formação na Holanda, têm presenças que se relacionam positivamente e de diferentes modos com o seu país a partir de aprendizagens exteriores.
Paulo Capela, angolano de origem congolesa (n. 1947), é uma figura singular do interior, autor de acumulações instaladas de objectos e documentos heteróclitos. Está presente com vastos conjuntos de envelopes de correio que ostentam pequenas pinturas com personagens e cenas de estereótipos africanos, que se vêem como uma posição paródica ou crítica face a um imaginário de folheto turístico.
Viteix (Vítor Teixeira, 1940-1993), doutorado em estética em Paris e artista com uma extensa circulação internacional, é outra das presenças estimulantes, a quem a Culturgest dedicará já em Abril uma mostra retrospectiva.