Anos Pop (capítulo de um livro a editar em breve: "Júlio Pomar. Depois do novo realismo"
«‘Em pintura, a descoberta da América foi decisiva’ - J.P., 1966
A coincidência entre a mostra do Atelier-Museu Júlio Pomar, «O que pode a arte? 50 anos do Maio de 68» (15-05 a 29-09-2018), e a exposição «Pós-Pop. Fora do lugar comum – Desvios da ‘Pop’ em Portugal e Inglaterra, 1965-1975», na Fundação Gulbenkian (20-04 a 10-09-2018), em que não esteve representado, foi uma oportunidade propícia para a identificação dos anos Pop de Júlio Pomar, assunto sempre ausente dos ensaios sobre a sua obra. A exposição do ano seguinte do AMJP, «Formas que se tornam outras» (02-05 a 29-09-2019), veio confirmar essa leitura, a partir da reflexão «sobre o modo como o corpo, o erotismo, a sensualidade e a sexualidade atravessaram o percurso do artista». Uma outra exploração alargada sobre a galáxia Pop ocorrera já em 1997 (N1), também sem incluir Pomar, sendo a consideração da Pop sempre alargada muito para lá das suas formas mais canónicas ou mediatizadas, e poucos artistas são reconhecidos sob essa marca.
Para Pomar não se tratou da identificação com uma actualidade de grupo ou tendência, nem da adesão a um estilo colectivo, que aliás a arte Pop não foi. Não foi o efeito de uma estada em Londres. Importa ver a Pop na sua extensão como a resposta bem-sucedida à procura de alternativas à ordem abstraccionista que se entendia como caminho único, por entre procuras de retorno à figuração (que nunca terminara), de novas figurações e diferentes realismos. A segunda metade dos anos 50 dera origem às demandas de uma Figuration autre, em especial por parte do crítico Michel Ragon (na sequência de Dubuffet, Fautrier, Bacon e os Cobra: com Berni, Baj, Dado, Saura, Lebenstein, etc. N2). Por outro lado, na relação sempre atenta com a produção que lhe era contemporânea, as viragens de Pomar nunca foram mimetismo, ou efeito da novidade, mas algo que acontece por necessidade própria, e as influências, ou antes as informações, são acolhidas sem urgência.
«A arte Pop é um novo paisagismo bidimensional (two-dimensional landscape painting), no qual o artista responde especificamente ao seu envolvimento visual. O artista voltou a olhar à volta de si e pinta o que vê». Disse-o um dos seus mais calorosos defensores, Henry Geldzaher, no tempestuoso simpósio sobre a Pop, realizado no MoMA, logo em 1962. Mas também se afirmou que era um «estilo estúpido e desprezível dos ruminantes de pastilha elástica...» (Max Kozloff). A polémica era acesa, enquanto se popularizava nos magazines, com uma projecção nunca conhecida por qualquer corrente artística.
Em França, a apresentação da Pop norte-americana não foi particularmente tardia – chegou com a galeria Sonnabend em 1962, primeiro os neo-dadaistas, depois «Pop Art Américain» em 63, e viu-se no Salon de Mai de 1964; tornou-se então omnipresente e foi em grande parte rejeitada, face à vitória de Rauschenberg em Veneza, nesse ano. O contexto era o da defesa chauvinista dos «Novos Realistas» de Pierre Restany e logo a seguir das «Novas Figurações». O anarquista e influente Michel Ragon, que a defendia desde o início, disse que foi recebida pela crítica da época como «uma arte de analfabetos»; era rejeitada pela elite intelectual e falou-se de um novo assalto da Escola de Nova Iorque contra a cultura nacional, já na sequência do expressionismo abstracto do Pós-guerra (N3).
Pomar estava nos primeiros tempos da instalação em Paris mas em todo este período não se aproxima das «Mythologies Quotidiennes» e da «Figuration Narrative» de Gassiot-Talabot (1964 e 65), exposições que marcavam o tempo local. Não lhe interessa a «narração discursiva», escreveu num relatório de bolseiro da Gulbenkian, em Outubro de 1965. E o engajamento político de muitos não o atrai.