Exposição do surrealismo provoca polémica
Óscar Faria / PÚBLICO
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Negociação com o IPM leva ao encerramento da exposição do surrealismo em Famalicão
Negociações entre o Conselho de Administração da Fundação Cupertino de Miranda (FCM), de Vila Nova de Famalicão, e o Instituto Português de Museus (IPM) levaram anteontem ao final do dia ao encerramento da exposição "Do Surrealismo em Portugal", que deveria ficar patente na instituição até 16 de Dezembro próximo. Este é o desfecho de uma situação polémica, provocada pela alteração dos conteúdos da mostra "Surrealismo em Portugal, 1934-1952", que foi co-produzida pelo Museu do Chiado, de Lisboa, e pelo Museu Estremenho e Ibero Americano de Arte Contemporânea (MEIAC), de Badajoz. Assumida por um dos comissários da exposição, Perfecto E. Cuadrado, com a solidariedade de Bernardo Pinto de Almeida, director artístico da FCM, a revisão consistiu na retirada de alguns trabalhos de António Pedro e a inclusão de obras que rompiam claramente com a datação proposta por Cuadrado e Maria de Jesus Ávila, os autores do projecto original.Segundo Raquel Henriques da Silva, directora do IPM, a decisão quanto ao encerramento da exposição foi tomada em conjunto com a instituição famalicense: "A proposta foi feita pelo Conselho de Administração da fundação, e eu concordei, pois a situação era dificilmente gerível". Na opinião da responsável do IPM, "o que se tinha passado era inaceitável do ponto de vista institucional", referindo-se à alteração da exposição que chegou a Famalicão para uma simples itinerância e viu o seu conteúdo alterado, através da retirada das obras de António Pedro, "com o argumento de que era fascista", e o aumento do período cronológico que abrangia até à contemporaneidade, com obras de artistas como Paula Rego. "A exposição foi corrigida e aumentada e isso foi proclamado publicamente", sublinha.Por seu lado, Pedro Lapa, director do Museu do Chiado, considera que a atitude da FCM é "a mais coerente, a mais digna, a única possível para salvaguardar o bom nome da instituição". Para aquele director, o fecho antecipado da mostra "era a única forma de repor o seu sentido", notando ainda que, se a FCM está interessada numa outra exposição acerca do surrealismo português, deve realizar um trabalho de investigação e apresentar depois a sua visão de uma forma fundamentada. "Em termos pessoais, lamento o incidente; Portugal tem muito a aprender acerca da forma mais correcta, deontológica e legal de funcionar com assuntos museológicos." E termina dizendo: "A exposição segue dentro de momentos em Madrid", onde será inaugurada a 8 de Janeiro, no Círculo de Belas-Artes, "e a FCM já adiantou que emprestava todas as peças da sua colecção para serem apresentadas na capital espanhola". O PÚBLICO tentou contactar a administração da FCM, que remeteu a sua resposta para a próxima semana. Por seu lado, Bernardo Pinto de Almeida refere o facto de a decisão ter sido "tomada a nível superior e, como tal, não tenho de a comentar". E adiciona: "A minha consciência está tranquila". Recorde-se que, em comunicado anterior a este desfecho da polémica, o Museu do Chiado e o MEIAC consideraram as alterações introduzidas na exposição "um ultraje" aos direitos de autor da comissária Maria de Jesus Ávila. Como resposta, Pinto de Almeida reconheceu na altura ter redigido "com precipitação" uma nota de imprensa onde, em nome pessoal, defendeu a exposição apresentada na FCM, "ligeiramente transformada relativamente às primeiras versões por um dos seus comissários, prof. Perfecto Cuadrado". Na origem da retirada das três obras de António Pedro - "Le crachat embelli" (1934), "Refoulement" (1936) e "Dança da Roda" (1936), obras que Maria de Jesus Ávila considera que são o primeiro confronto do público português com o surrealismo - está uma exigência do pintor e poeta Mário Cesariny, que recusou a convivência das suas obras com as do "fascista" António Pedro. *com Emília Monteiro e Isabel Salema