José Miguel Gervásio, pormenor ou parte de quadro. Figuras que podemos reconhecer e seguir noutras pinturas, habitantes habituais de um lugar improvável ; personagens identificáveis, às vezes nomeadas (o pintor aponta-os pelos nomes), "modelos" e/ou amigos que participam com brio em encenações ficcionais sem tradução conhecida (os títulos não explicam, desafiam), num jogo de cumplicidades e de tensões; corpos intrigantes com que dialoga o observador, teatro visionário e pictural, visões.
O que acontece ali no ecrã da tela? A representação realista desrealiza-se para o lado da invenção, do imaginário, como um sobre-realismo não surrealista, embora referindo-o, tal como se refere a nova objectividade, a metafísica e outras figurações, clássicas e modernas, ingénuas e eruditas, para que se procurarão as chaves possíveis, as perguntas certas, sem resposta. A figura na paisagem, mas paisagem abstracta, matéria colorida, habitada por objectos e construções volumétricas não referenciais (abstractos) que são outra das práticas do pintor-escultor, às vezes expostas. Formas invasoras, talvez ameaçadoras, que afirmam a possibilidade acidentes imprevisíveis e da da criação de ilusões. Às vezes monstros. O que vemos? Que histórias se contam - aliás não-histórias. O que é o visível? Como representar com humor a inquietação? Como pensar as imagens sem literatura, cenas de fantasia, ficções não literárias?
Perdi a exp no Museu de Évora.
"O terreno é provavelmente o da antropologia-visual, a partir de pessoas comuns que dão corpo a diferentes personagens. São heróis de uma "pintura" cuja natureza romanceada faz parte de um laboratório enciclopédico, repletos de uma multiplicidade de equívocos e criados para um colector de memórias." José Miguel Gervásio, There's something wild in the city", 2014
1995 - 2002 duas notas:
SANDRA QUADROS e JOSÉ MIGUEL GERVÁSIO, Moira, Lisboa - 16-12-95
Em último dia, ou talvez já encerrada (mas seria injusto que dela não ficasse alguma memória), uma mostra de dois jovens artistas das Belas Artes do Porto — S. Quadros (n. 1970, Angola) e J.M. Gervásio (n. 1968, Montijo) — que deram o título genérico de «Colagem» a trabalhos que são pintura, utilizando a colagem para fazer entrar no quadro imagens recortadas e reinventadas, confundindo sentidos originários como gesto de subversão, de humor e de reconstrução poética, que se prolonga ainda nas inscrições escritas e títulos de S.Q. Processos reutilizados com uma especial frescura e liberdade.
GERVÁSIO, Quadrado Azul, Porto, 9-02-2002
Duas séries de desenhos, um alinhamento de trabalhos a tinta-da-china e uma parede de folhas riscadas a carvão fazem regressar José Miguel Gervásio à gal. onde já antes mostrara pintura, construções escultóricas e uma instalação invasora da sua produção gráfica. Os títulos «UMP LIX» reservam-lhes um secreto sentido narrativo, que não se deixa decifrar em figuras e espaços paisagísticos identificáveis, embora elas e eles estejam presentes, metamorfoseados por um grafismo imaginativo e livre. O automatismo gestual conduzido pelos caminhos de uma fantasia sonhada aproximam-nos de algum surrealismo, mas à margem dos seus estereótipos. Este é um mundo pessoal.
Módulo, 2010
Montemor-o-Novo, Galeria Municipal, 2011
A escultura é uma maqueta (ou vice-versa), uma construção que me lembra utopias-obsessões como o Merzbau (casa Merz) do Schwitters, um espaço arquitectónico (aqui miniaturizado como projecto) que é também um espaço interior, no duplo sentido de espaço habitado e mental. Invadido pelo desenho, e ele próprio desenho volumétrico. Colocada a escultura-maqueta no espaço central, ela desdobra-se numa galeria preenchida pelos grandes desenhos brancos ("Imagens de Atelier") - desenhos-colagens proliferantes montados sobre tela (papel de algodão sobre linho) - e noutra galeria onde as colagens de menor formato associam e sobrepõem diferentes papéis e técnicas e imagens, acumulando-se, ocultando-se ou sucedendo-se. São sempre narrativa a acontecer (interrompidas para a exposição mas certamente sujeitas a possíveis aventuras posteriores), a acontecer de diferentes modos narrativos, crescendo em volume, ampliando-se em grandes superfícies, ou incorporando a mancha de cor, juntando páginas, etc.
A pequena maqueta-escultura (50,9 cm na dimensão maior) é identificada como "elemento arquitectónico do projecto Aurora da Liberdade", produzido com um colectivo de arquitectos (AUZPROJEKT), e o projecto referido é apresentado perto de um "programa-colagem" panfletário e ilustrativo ("A bela aurora socialista"!?) somando sugestões utópicas e/ou ficcionais. Tudo e cada coisa pode ser lugar de passagem para outro estado, outro lugar. (Fotos *L)
Montijo, Galeria Municipal, 2011 Depois da recente exposição em Montemor-o-Novo ( aqui ),reunião de trabalhos de 2008 a 2011 - quase sempre pela periferia, um trabalho de longo curso. Pessoal e ideossincrático.